Numa maçadora entrevista à SIC, o nosso querido primeiro-ministro tentou minimizar e, até, desacreditar o artigo de Manuel Alegre, no Público, no qual criticava o autoritarismo e o medo ressurgentes. Sócrates repetiu o já por nós sabido. E os entrevistadores, apesar da agressividade sorridente, apenas expuseram a modéstia dos pessoais recursos. Sócrates não possui o talento das suas farsas e começa a ser deprimente a grosseria das respostas. O homem dissimula, com o enfatuado das frases, o facto de que não dispõe de ideias de seu.
A verdade é que o discurso sobre o medo, de Manuel Alegre, propiciava uma discussão, pelo menos curiosa, dos nossos comportamentos. A indiferença aborrecida com que o primeiro-ministro empalmou a questão, e o silêncio sem condolências com que os entrevistadores o admitiram, chegaram para se entender da inutilidade do insólito encontro a três.
O PS não quer discutir coisa alguma. É um partido entregue a tabeliães, com mistura de tecnocracia de segunda ordem. Além, claro!, da ausência total e absoluta de ideologia e de convicções. Quando Sócrates afirma, sem pudor, que as acusações de Alegre sobre o medo na sociedade e no PS constituem "um clássico", a deselegância extravasa os limites do suportável. O secretário-geral não quer debater o assunto. É um direito que lhe assiste. Porém, comete uma espécie de assassínio de carácter, de que, a esmo e amiúde, lamenta ser alvo.
Está à vista desarmada que a sociedade portuguesa vive numa atmosfera de temor, caucionada pelo desemprego, pelo trabalho precário, pelo custo da vida, pelo incentivo à delação, pelo desprezo com que se trata os nossos velhos, pela recusa da esperança, pelo sombrio horizonte do futuro, pelo ataque indiscriminado ao Serviço Nacional de Saúde, pelas obscenas desigualdades sociais não só traduzidas no desespero e na angústia quotidianas como pelas afrontosas reformas auferidas por "gestores" públicos - e mesmo privados. O medo cobre as situações que acabo de evocar. E esta "cultura" do PS não provém de linguagens intraduzíveis umas das outras: resulta de um conflito generalizado, aberto ou latente, mais ou menos violento nascido na década de 80, com o "cavaquismo".
O artigo de Manuel Alegre falava da necessidade de uma visão social que rejeite as humanidades separadas. Essa civilização do universal, de que tem sido paladino, apela no sentido dos valores e dos territórios transculturais. Não creio que José Sócrates tenha conhecimentos suficientes para entender o que, depreciativamente, designa de um "clássico" periódico. Não é tão-só problema dele. É a nossa tragédia ( Hoje, no DN , por Baptista Bastos)
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