M!CporCoimbra

2007/07/05

"Posso dizer mal do Governo se for na minha casa"

RUTE ARAÚJO
MÁRIO CRUZ-LUSA


Carmen Pignatelli avisou que a sua intervenção, na apresentação do relatório anual do Observatório Português dos Sistemas de Saúde (OPSS), teria um tom "informal". Mas a audiência, constituída maioritariamente por profissionais e alguns dirigentes da saúde, não conteve as gargalhadas e um pigarrear jocoso quando a secretária adjunta da Saúde agradeceu as críticas feitas ao seu ministério, afirmando que "vivemos num país em que as pessoas são livres de dizer aquilo que pensam".

A frase surge uma semana após a polémica do cartaz afixado do centro de saúde de Vieira do Minho - que levou o ministro Correia de Campos a destituir a directora da unidade pelo tom "jocoso" utilizado. Perante a reacção da plateia, a secretária de Estado sorriu e apressou-se a corrigir: "... Desde que seja nos locais apropriados". "Eu sou secretária de Estado, aqui nunca poderia dizer mal do Governo. Aqui. Mas posso dizer na minha casa, na esquina, no café. Tem é de haver alguma sensibilidade social..."

"Sensibilidade social" que falta à equipa ministerial liderada por Coreia de Campos, na opinião dos investigadores que analisaram um ano de governação na saúde, como esteve patente na forma como foi gerida a reorganização de urgências ou SAP, que passou uma imagem de "retracção dos serviços públicos e de pouca protecção na saúde", disse o coordenador do OPSS, Pedro Ferreira.

Como afirmou Constantino Sakellarides, um dos autores do relatório, "houve uma mudança de paradigma. E o novo paradigma tem uma agenda difícil, só é entendida por alguns". Na opinião do director da Escola Nacional de Saúde Pública, os cidadãos estão habituados a ter um Estado que garanta uma prestação de cuidados de saúde alargada e cada vez melhor. Quando o Governo muda o discurso para a necessidade de conter despesas e de racionalizar os meios, perde a base social que tinha antes. "As pessoas estão habituadas a que os serviços sejam abertos, não a que sejam fechados", exemplificou. Apesar da forma como a mudança foi gerida, o especialista diz que terá de haver um discurso sério sobre o financiamento e a responsabilidade de cada um, como forma de manter os princípios na base do Serviço Nacional de Saúde.

Contrapondo a visão de que o caminho para este modelo seja o de fazer com que os doentes paguem mais na doença, afirmou que a solução passa por dois pontos essenciais. Por um lado, desenvolver a literacia na saúde - dar mais informação às pessoas para que estas possam gerir a sua doença e o uso dos serviços num sistema cada vez mais complexo. Por outro, aproveitar as tecnologias da informação para aplicar preços diferentes a cada pessoa, consoante a utilização que fazem dos cuidados. É o contributo dado pelo observatório à discussão sobre novos modelos para financiar a saúde e que deu origem ao relatório da comissão nomeada pelo Governo, divulgado há uma semana. Entre as recomendações estava, por exemplo, o aumento das taxas moderadoras ou a redução das deduções fiscais.|