M!CporCoimbra

2007/05/24

Uma história malfadada

( publicada no Diário de Leiria )

Portugal, país periférico, com uma burguesia frágil e demasiado dependente da protecção estatal, tarde conheceu o desenvolvimento capitalista. A história da 2ª metade do século XIX é feita do fracasso do nosso processo de industrialização. A 1ª República e Salazar são duas faces da mesma moeda. Representam duas tentativas de saída para a crise estrutural do incipiente capitalismo português.

A 1ª República deu a liberdade a uma pequena elite, manteve o sufrágio restrito, e desfez-se nas contradições geradas pela 1ª Grande Guerra e o défice público. O país permaneceu rural, analfabeto e inquieto. Salazar cavalgou o golpe sem rumo do 28 de Maio de 1926 e fez dele o seu destino.

António Ferro fabricou-lhe a imagem e o mito. Salazar, desconfiado do século, fez tudo para manter Portugal como uma caravela a vogar fora do tempo. Autoritário, temia a mudança e a liberdade. Procurou domesticar os portugueses através da hipocrisia moral, da censura e das polícias.

O modelo económico do Estado Novo assentava no corporativismo, nos salários miseráveis, no proteccionismo e no condicionamento industrial.

Marcello Caetano esboçou a modernização da economia e promoveu a “evolução na continuidade”. Todavia, incapaz de liberalizar o regime e de encontrar uma saída para a guerra colonial, acabou a viajar de carro blindado a caminho do exílio.

Após o 25 de Abril, os portugueses desejavam a liberdade e o bem-estar social. Mário Soares e Sá Carneiro asseguravam a democracia, os direitos sociais e a integração europeia. Depois de Eanes ter posto a tropa nos quartéis, a opção fez-se sem grandes sobressaltos. Cavaco Silva, à mistura com algumas alegorias do pensamento de Keynes, construiu infra-estruturas e a ilusão do progresso. O país mudou, cresceu, mas foi incapaz de romper o atraso em relação aos restantes parceiros da U.E.

Por outro lado, o sistema político rapidamente degenerou. As clientelas, o oportunismo, a falta de escrúpulos e a corrupção instalaram-se. Num país onde os direitos de cidadania nunca tiveram força de lei, o silêncio dos injustiçados começou a crescer, bem como a desconfiança nos políticos e nas instituições.

O desperdício de recursos e vontades transformou-se num modo de gerir a causa pública. À sombra do Estado, os negócios prosperaram e também não se queixam dos dias que correm.

Na vertigem do vazio, Guterres, amedrontado com a dimensão do pântano, deu-se por vencido. E Durão Barroso, com a cumplicidade de Jorge Sampaio, refugiou-se em Bruxelas para glória nacional. Após as trapalhadas do governo Santana Lopes/Portas, os portugueses, na sua misericórdia cívica e fé democrática, estavam maduros para qualquer um. Sócrates prometeu resolver a crise com a confiança. Portugal deu-lha.

Sócrates tornara-se conhecido por propagandear o Euro 2004 como um projecto grandioso e adequado a um país moderno. Um novo “desígnio nacional” caro e inútil, mas propício à fama de um político.

Agora temos Sócrates a aumentar os impostos, a cortar nas despesas dos serviços de saúde, nos medicamentos, nas maternidades, na educação, nas pensões, nos rendimentos das famílias, nas reformas e a prometer a revolução tecnológica para amanhã.

Sem estratégia nem tempo para superar os entraves estruturais do nosso atraso, tratou de montar uma sólida máquina de propaganda e desfraldou o populismo.

Em nome dos males da Pátria acusam-se os mais diversos sectores sócio-profissionais e, principalmente, os servidores do Estado.

O simples dever de esclarecimento da opinião pública está reduzido a um discurso demagógico e legitimador dos actos do poder. Anda no ar uma certa apetência pelo pensamento único.

O Governo, enquanto desmantela o Estado social, multiplica a criação de empresas de capitais públicos e continua a gastar milhões a sustentar gabinetes, consultores e avençados.

E do deslumbramento pelas novas tecnologias da informação começa a emergir uma poderosa e tentacular base de dados, que ameaça deixar desprotegido o cidadão face aos detentores do poder.

Anuncia-se um Estado exíguo, mas centralista, reduzido a funções mínimas de soberania e defesa, ao serviço de um pragmatismo de pretenso recorte neo-liberal. No fim da linha, à nossa espera, uma sociedade mais perversa e injusta.

José Vitorino Guerra