M!CporCoimbra

2006/05/29

Artigo a sair em breve no Diário de Coimbra - a não perder! (LMR)

Eleições, Instalações e Outras Questões: as Confusões de um Presidente

O senhor Presidente da Câmara Municipal de Coimbra anda nervoso e precipita-se nas palavras. Instado por um periódico a pronunciar-se sobre uma eventual candidatura independente a eleições autárquicas, avançada a título pessoal por José Dias (ex-assessor político do Presidente Jorge Sampaio, membro dos Corpos Gerentes da Pro Urbe e seu representante no Conselho da Cidade), na sessão de encerramento do II Congresso pela Cidade de Coimbra, realizado no passado fim-de-semana, o Presidente da CMC opina que “os partidos não devem estar misturados nas associações cívicas” e que não vê “como é que [estas] se podem autodenominar de independentes”. Estranhas palavras e confusões! Até há bem pouco tempo o Conselho da Cidade, responsável pela organização do Congresso, era bem-amado e solicitado para apoiar iniciativas diversas da CMC. Agora que um cidadão, na plena posse das suas prerrogativas cívicas e políticas, ousa imaginar um futuro (ainda) distante em que a cidadania se atreve a beliscar atrevidamente a plutocracia vigente utilizando instrumentos constitucionais, eis que o senhor Presidente decide esconjurar partidos imaginários pela “instrumentalização das associações” (sic)! Houve cuidado em confirmar o carácter oficial da proposta e conhecer o conteúdo total dos considerandos que a suporta? Não. Respondendo impensadamente e a quente, o senhor Presidente pôs a nu o seu nervosismo, próprio da situação calamitosa que a Cidade vive, das mudanças estivais e de outras que não são chamadas para aqui.

O senhor Presidente incorreu num equívoco profundo. O Conselho da Cidade, a Associação Cívica Pró Urbe e a esmagadora maioria das associações não estão infiltradas pelos partidos. Pelo contrário, convidam os cidadãos de todas as cores políticas e sensibilidades a reforçar o movimento da democracia participativa, instando-os a participar activamente nas diversas iniciativas que promovem, a bem da Cidade. Não há praticamente um único evento que organizem para a qual a CMC não seja convidada. O contrário, infelizmente, não é verdade. Quando há um mínimo de decoro, as associações são instadas a “participar” para assegurar a policromia decorativa da (dis)função camarária. Mas a Câmara é opaca e a informação não circula. Ou, quando circula, fá-lo mal e a desoras.

Mais: os “planos” e “estratégias”, submetidos a uma “discussão pública” minimalista, são suportados por documentação escassa, tortuosa e de difícil acesso (vide Plano Estratégico e Plano de Urbanização de Coimbra). Não raras vezes, os “planos” são previamente (propositadamente?) inviabilizados pela implementação no terreno de “soluções” que a inteligência não alcança (vide a desconstrução de Celas, a desfiguração do declive de Santa Clara, o afogamento da Solum e a morte anunciada do magnífico espaço da Penitenciária). Os ataques vêm de todos os lados e parece não haver vozes que valham. A gula das construtoras não tem limites e a sua satisfação é zelosamente providenciada por uma rede anónima de comensais, travestidos de técnicos e servidores públicos (vide a destruição da Praça Heróis do Ultramar, a intumescência obscena do Estádio Cidade de Coimbra e o assalto urbanístico às bermas do Parque Verde). Os pseudo-projectos e a má gestão sucedem-se (vide a usurpação financeira da Metro-Mondego, a agenda escondida do Bota-Abaixo, a irracionalidade do tratamento actual da zona da Guarda Inglesa e o arrastamento hipócrita do Metro Ligeiro, que agora pelos vistos passa a Pesado - se passar!). Os equipamentos e criadores culturais são vilipendiados (vide a asfixia mesquinha dos grupos de teatro e outros agentes culturais da Cidade, com destaque para a Escola da Noite, o adiamento do Teatro da Cerca de São Bernardo, o alheamento do TAGV e o aviltamento permanentemente expectante do Convento de São Francisco). O mau gosto impera (aí está o abastardamento campista da Praça da República e a anunciada cobertura da Baixa por um chapéu de cangalheiro). Todos estes pontos (e muitos outros) foram implacavelmente abordados por José António Bandeirinha (professor de Arquitectura, ex-Presidente da Pro Urbe e actual Presidente da sua Assembleia Geral) na intervenção que fez no Congresso. O nervosismo parece justificar-se, gerado pela partidocracia vigente no poder local e pelo seu desprezo quase genético pelos cidadãos.

Sim, senhor Presidente, temos razões acrescidas para estarmos vigilantes e para imaginarmos a possibilidade de recorrermos a instrumentos formais de cidadania, impensáveis há alguns anos mas previstos constitucionalmente. Como escreveu há uns dias num jornal local Elísio Estanque (professor de Economia e membro dos Corpos Gerentes da Pro Urbe), por sua livre e exclusiva iniciativa, os partidos dominantes tendem a encarar com desconfiança os cidadãos, fechando-se num círculo restrito e autista. Em vez de acarinhar os movimentos cívicos, os partidos dominantes e os respectivos chapéus institucionais tudo fazem para os ridicularizar e limitar operacionalmente. Pelo menos aqui, na Coimbra provinciana e teimosamente encerrada em si mesma por obra e graça dos mandantes locais. Mas não noutras paragens, felizmente. Como evidenciou o Congresso pela Cidade, há latitudes onde o poder local convive bem com os cidadãos – conhece o desenvolvimento / concretização da Agenda 21 de Santo Tirso (maioria PS) / São João da Madeira (maioria PSD), processo induzido por professores da Universidade Católica, bem como o Orçamento Participativo de Palmela (maioria CDU)? Recomendamos que o faça, em vez de dar cobertura tácita aos lamentáveis incidentes numa Assembleia Municipal recente, em que cidadãos de partidos minoritários foram vilipendiados pela maioria até à abjecção por ousarem… defender o Orçamento Participativo para Coimbra! Importa ainda salientar o facto de as grandes instituições financeiras mundiais promoverem hoje activamente a investigação sobre os movimentos cívicos, cientes de que a acção destes é essencial para a transparência da gestão pública e para o combate ao pesado fardo financeiro que constitui a corrupção.

A coroar o bolo com a cereja, aparecem as suas pérolas sobre as instalações do Conselho da Cidade. Transcrevendo um jornal local, o senhor terá afirmado, na reunião de 22 de Maio do executivo municipal, que “a autarquia não deve ceder instalações ao Conselho da Cidade, sob pena de este poder vir a perder a independência face ao executivo municipal”. Afinal onde ficamos, senhor Presidente? Aquela independência existe mesmo e tem valor para si ou não existe de todo em todo, como se depreende das suas palavras anteriores? O Conselho da Cidade necessita de instalações mínimas e minimamente condignas, de forma a poder prestar um serviço acrescido à Cidade. Agradecíamos que esclarecesse esta contradição, a fim de o pouparmos à penosa confusão… das eleições!

Uma nota final. Esta interpelação é também dirigida aos partidos que cobrem, por acção ou omissão, a penosa situação que a Cidade vive. Não somos obviamente contra os partidos. Consideramo-los elementos centrais da democracia. Queremos colaborar com
eles, sem distinção. Mas temos o direito de exigir que se abram à cidadania plena, deixando de considerar os cidadãos não alinhados como alienígenas.


Coimbra, 25 de Maio de 2006
A Direcção da Pro Urbe, Associação Cívica de Coimbra