Um capitão de Abril do MIC/Coimbra, hoje no jornal Centro
Memória e Cidadania
Segundo uma notícia publicada pelo "Público", em 6 de Maio último, ao comentar o relatório "Power to the People" (Poder ao Povo), divulgado no passado mês de Fevereiro, o jornal The Independent concluía que a democracia no Reino Unido estava doente.
O relatório chamava a atenção para os números crescentes da abstenção nos actos eleitorais e a diminuição das inscrições nos partidos políticos, reflectindo o desencanto pela política por parte do público em geral, particularmente preocupante nas camadas jovens. Na origem da situação estava o sentimento generalizado de que o voto não faz a diferença, que os deputados representam mais o partido do que os constituintes, que o poder está demasiado centralizado no governo, e que tudo se joga entre dois partidos entre os quais, progressivamente, só se encontram diferenças à lupa.
Se idêntico estudo tivesse sido feito em Portugal, as suas conclusões teriam sido, seguramente, ainda mais inquietantes, pois as taxas de mobilização cívica dos portugueses são bastante inferiores às correspondentes no Reino Unido, e noutros países europeus, com percentagens de participação dos jovens nos actos eleitorais significativamente abaixo da média nacional. As razões serão, provavelmente, muito idênticas às do Reino Unido, agravadas por uma longa tradição de autoritarismo e pela escassa tradição de democracia participativa em Portugal, exceptuando alguns raros momentos altos, de que foram exemplos a explosão de cidadania no 25 de Abril e a grandiosa mobilização cívica em torno da causa de Timor-Leste.
Passados trinta e dois anos sobre a data em que «emergimos da noite e do silêncio», regressou a desilusão, a angústia e o desespero, a falta de confiança e de esperança no futuro, a par do descrédito do sistema político, da crise de identidade colectiva e do reaparecimento do «sebastianismo» na vida política nacional. Será que Eduardo Lourenço terá razão quando fala da descentragem permanente dos portugueses e da sua total ausência de interesse pela «ideia de Portugal» que tenha qualquer conteúdo além do da sua representação? Ou não será esta situação resultado, mais propriamente, de um propósito deliberado por parte de uma certa classe política, mais interessada em reduzir a democracia à sua componente representativa e em esquecer o valor da cidadania enquanto princípio fundamental legitimador da acção política?
Perante este cenário sombrio, parece pertinente perguntar até que ponto é que o passado será um peso morto para os portugueses. É que a crise nacional assenta, na sua génese, numa preocupante falta de memória sobre o que foi a longa ditadura salazarista: quarenta e oito anos de totalitarismo, assassínio, degredo, prisão arbitrária e tortura dos opositores políticos, repressão violenta, privação de direitos fundamentais, miséria em larga escala, analfabetismo generalizado, emigração clandestina e uma guerra colonial onde se exauriram, durante treze anos, gerações sucessivas de jovens portugueses e africanos. Mas assenta, igualmente, numa idêntica falta de memória sobre as circunstâncias que favoreceram a emergência do Estado Novo.
A desgraça da I República residiu, primeiramente, no próprio Partido Republicano. Os seus dirigentes não promoverem as transformações económicas e sociais do País nem o alargamento das bases populares de apoio ao novo regime e foram alienando progressivamente a simpatia que haviam conseguido no 5 de Outubro. A sua actuação política, especialmente a partir dos anos vinte, falha de grandeza nos objectivos e excessivamente corruptora, seria ditada, sobretudo, por uma ânsia desmedida de poder, que lhes valeria uma hostilidade crescente. Apesar de uma retórica democrática, acabariam por se quedar numa política de imobilismo, a qual, renegando a histórica feição progressista do Partido Republicano, conduziria ao seu fraccionamento sucessivo, ao isolamento da sociedade e à transferência do apoio da população para o lado dos conspiradores.
Num momento em que passou mais um aniversário do pronunciamento militar de 28 de Maio de 1926, é oportuno lembrar que, naquela altura, a maioria republicana esquecera já os ideais da liberdade e da cidadania que haviam sido a sua bandeira. Sonhando com uma «nova ordem de coisas», acreditava então mais nas virtudes de uma «ditadura de reformas». Quase todos queriam ordem pública, estabilidade politica, equilíbrio financeiro, eficiência económica, governo de competência, numa lógica proclamada de salvação nacional - o mesmo, precisamente, que pedia toda a oposição anti-republicana.
Estará o regime democrático fundado em 25 de Abril a seguir os passos da I República?
Mais memória e cidadania, precisa-se! Para que o relógio da História não volte a andar para trás.
Segundo uma notícia publicada pelo "Público", em 6 de Maio último, ao comentar o relatório "Power to the People" (Poder ao Povo), divulgado no passado mês de Fevereiro, o jornal The Independent concluía que a democracia no Reino Unido estava doente.
O relatório chamava a atenção para os números crescentes da abstenção nos actos eleitorais e a diminuição das inscrições nos partidos políticos, reflectindo o desencanto pela política por parte do público em geral, particularmente preocupante nas camadas jovens. Na origem da situação estava o sentimento generalizado de que o voto não faz a diferença, que os deputados representam mais o partido do que os constituintes, que o poder está demasiado centralizado no governo, e que tudo se joga entre dois partidos entre os quais, progressivamente, só se encontram diferenças à lupa.
Se idêntico estudo tivesse sido feito em Portugal, as suas conclusões teriam sido, seguramente, ainda mais inquietantes, pois as taxas de mobilização cívica dos portugueses são bastante inferiores às correspondentes no Reino Unido, e noutros países europeus, com percentagens de participação dos jovens nos actos eleitorais significativamente abaixo da média nacional. As razões serão, provavelmente, muito idênticas às do Reino Unido, agravadas por uma longa tradição de autoritarismo e pela escassa tradição de democracia participativa em Portugal, exceptuando alguns raros momentos altos, de que foram exemplos a explosão de cidadania no 25 de Abril e a grandiosa mobilização cívica em torno da causa de Timor-Leste.
Passados trinta e dois anos sobre a data em que «emergimos da noite e do silêncio», regressou a desilusão, a angústia e o desespero, a falta de confiança e de esperança no futuro, a par do descrédito do sistema político, da crise de identidade colectiva e do reaparecimento do «sebastianismo» na vida política nacional. Será que Eduardo Lourenço terá razão quando fala da descentragem permanente dos portugueses e da sua total ausência de interesse pela «ideia de Portugal» que tenha qualquer conteúdo além do da sua representação? Ou não será esta situação resultado, mais propriamente, de um propósito deliberado por parte de uma certa classe política, mais interessada em reduzir a democracia à sua componente representativa e em esquecer o valor da cidadania enquanto princípio fundamental legitimador da acção política?
Perante este cenário sombrio, parece pertinente perguntar até que ponto é que o passado será um peso morto para os portugueses. É que a crise nacional assenta, na sua génese, numa preocupante falta de memória sobre o que foi a longa ditadura salazarista: quarenta e oito anos de totalitarismo, assassínio, degredo, prisão arbitrária e tortura dos opositores políticos, repressão violenta, privação de direitos fundamentais, miséria em larga escala, analfabetismo generalizado, emigração clandestina e uma guerra colonial onde se exauriram, durante treze anos, gerações sucessivas de jovens portugueses e africanos. Mas assenta, igualmente, numa idêntica falta de memória sobre as circunstâncias que favoreceram a emergência do Estado Novo.
A desgraça da I República residiu, primeiramente, no próprio Partido Republicano. Os seus dirigentes não promoverem as transformações económicas e sociais do País nem o alargamento das bases populares de apoio ao novo regime e foram alienando progressivamente a simpatia que haviam conseguido no 5 de Outubro. A sua actuação política, especialmente a partir dos anos vinte, falha de grandeza nos objectivos e excessivamente corruptora, seria ditada, sobretudo, por uma ânsia desmedida de poder, que lhes valeria uma hostilidade crescente. Apesar de uma retórica democrática, acabariam por se quedar numa política de imobilismo, a qual, renegando a histórica feição progressista do Partido Republicano, conduziria ao seu fraccionamento sucessivo, ao isolamento da sociedade e à transferência do apoio da população para o lado dos conspiradores.
Num momento em que passou mais um aniversário do pronunciamento militar de 28 de Maio de 1926, é oportuno lembrar que, naquela altura, a maioria republicana esquecera já os ideais da liberdade e da cidadania que haviam sido a sua bandeira. Sonhando com uma «nova ordem de coisas», acreditava então mais nas virtudes de uma «ditadura de reformas». Quase todos queriam ordem pública, estabilidade politica, equilíbrio financeiro, eficiência económica, governo de competência, numa lógica proclamada de salvação nacional - o mesmo, precisamente, que pedia toda a oposição anti-republicana.
Estará o regime democrático fundado em 25 de Abril a seguir os passos da I República?
Mais memória e cidadania, precisa-se! Para que o relógio da História não volte a andar para trás.
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