Elísio Estanque: ‘Governança’ e Democracia no Espaço Urbano
Publicado no Jornal de Notícias
As transformações sociais em curso a nível global nas últimas décadas induziram uma nova dinâmica na vida das cidades. Há um vasto conjunto de exemplos de centros urbanos de variadas dimensões e com tradições históricas muitos diversificadas (Newcastle, Liverpool, Nantes, Toronto, Bilbau, Barcelona, Porto Alegre), onde tem sido possível pôr em prática experiências de reconversão urbana e formas de gestão extremamente inovadoras, quer do ponto de vista da preservação do património histórico e arquitectónico, quer do ponto de vista da participação cívica e da coesão social.
Estas experiências introduziram um novo conceito na estratégia de gestão das cidades: o conceito de “governança” (do inglês, governance). A noção traduz uma deslocação do foco do poder institucional de uma instância única, que o monopoliza, para uma variedade de instâncias, de agentes e de competências – técnicas, jurídicas, gestionárias etc. – de carácter público ou privado, dando lugar ao esbatimento das tradicionais hierarquias e estimulando as sinergias, as redes e a interacção entre um conjunto de actores, cujas interdependências funcionam numa lógica horizontal. Na governança, as fronteiras entre as diferentes esferas de responsabilidade tornam-se mais fluidas e a gestão dos projectos decorre na base de uma constante negociação, que envolve os grupos sociais activos, como por exemplo as associações empresariais, os municípios, as escolas, as associações, os sindicatos, etc. O envolvimento desta multiplicidade de agentes pressupõe uma grande abertura e transparência de processos, apoiando-se na consulta ou na participação alargada das populações. O poder e as habituais disputas de protagonismo ou tentativas de controlo são partilhados e negociados segundo uma lógica de “jogo de soma positiva”, isto é, na base do princípio de que o sucesso dos projectos depende da intervenção directa de todos os parceiros e de que a vantagem de uns coincide com as vantagens de todos.
A gestão pela governança pode ter múltiplas envolventes – como a recuperação do património arquitectónico e paisagístico, a modernização das infraestruturas, a defesa do ambiente e da qualidade de vida, a oferta cultural, os novos espaços lúdicos e de lazer, os novos recursos informáticos e a comunicação em rede –, mas o alcance estratégico destes projectos pressupõe uma ruptura com a lógica instalada nos poderes oficiais. Desafiam o poder centralista da “tecnoburocracia” e procuram abrir espaço para o que podemos chamar a “tecnodemocracia” da era digital, ou seja, dinamizar a democracia electrónica como meio privilegiado de alargamento da cidadania.
Verdadeiramente, só faz sentido a reconversão patrimonial e paisagística da cidade se ela souber valorizar a dimensão social e cultural. É possível atrair novos investimentos e aumentar a capacidade competitiva das cidades, preservando ao mesmo tempo a sua pluralidade cultural e social. Daí que estes programas pretendam também estimular uma “esfera pública” dinâmica, informada e interventiva. É preciso contar com o voluntarismo cívico e associativo para transformar o “inferno” da vida urbana actual em ambientes agradáveis, onde se goste de viver. A alternativa é resignarmo-nos perante o transito caótico e a cultura de massas monolítica e consumista que hoje nos é imposta com a profusão de Shopings e centros comerciais que ameaçam a identidade das nossas cidades.
Estas linhas de orientação não colidem com iniciativas em curso, como a Agenda 21 ou o programa Polis, mas obrigariam a que estas deixassem de ser meras iniciativas de fachada ou instrumentos políticos desenhados por tecnocratas no segredo dos gabinetes e alheios às preocupações dos cidadãos. Pelo contrário, veiculam uma visão integrada e sustentada na envolvente social, mas sem descurar o seu impacto económico e a atractividade das cidades para novos públicos e novos segmentos da indústria turística. Esta corrente de iniciativas tem tido amplo sucesso internacional, quer na renovação da paisagem urbana e no desenvolvimento local quer no exercício da cidadania activa. As novas Polis do século XXI procuram um novo sentido de cosmopolitismo multicultural e estruturam-se como plataformas modernas de encontro, de convivialidade e de mobilidade. É tempo de os nossos autarcas e restantes agentes da vida económica, social e cultural local pensarem seriamente neste desafio.
‘Governança’ e democracia no espaço urbano
As transformações sociais em curso a nível global nas últimas décadas induziram uma nova dinâmica na vida das cidades. Há um vasto conjunto de exemplos de centros urbanos de variadas dimensões e com tradições históricas muitos diversificadas (Newcastle, Liverpool, Nantes, Toronto, Bilbau, Barcelona, Porto Alegre), onde tem sido possível pôr em prática experiências de reconversão urbana e formas de gestão extremamente inovadoras, quer do ponto de vista da preservação do património histórico e arquitectónico, quer do ponto de vista da participação cívica e da coesão social.
Estas experiências introduziram um novo conceito na estratégia de gestão das cidades: o conceito de “governança” (do inglês, governance). A noção traduz uma deslocação do foco do poder institucional de uma instância única, que o monopoliza, para uma variedade de instâncias, de agentes e de competências – técnicas, jurídicas, gestionárias etc. – de carácter público ou privado, dando lugar ao esbatimento das tradicionais hierarquias e estimulando as sinergias, as redes e a interacção entre um conjunto de actores, cujas interdependências funcionam numa lógica horizontal. Na governança, as fronteiras entre as diferentes esferas de responsabilidade tornam-se mais fluidas e a gestão dos projectos decorre na base de uma constante negociação, que envolve os grupos sociais activos, como por exemplo as associações empresariais, os municípios, as escolas, as associações, os sindicatos, etc. O envolvimento desta multiplicidade de agentes pressupõe uma grande abertura e transparência de processos, apoiando-se na consulta ou na participação alargada das populações. O poder e as habituais disputas de protagonismo ou tentativas de controlo são partilhados e negociados segundo uma lógica de “jogo de soma positiva”, isto é, na base do princípio de que o sucesso dos projectos depende da intervenção directa de todos os parceiros e de que a vantagem de uns coincide com as vantagens de todos.
A gestão pela governança pode ter múltiplas envolventes – como a recuperação do património arquitectónico e paisagístico, a modernização das infraestruturas, a defesa do ambiente e da qualidade de vida, a oferta cultural, os novos espaços lúdicos e de lazer, os novos recursos informáticos e a comunicação em rede –, mas o alcance estratégico destes projectos pressupõe uma ruptura com a lógica instalada nos poderes oficiais. Desafiam o poder centralista da “tecnoburocracia” e procuram abrir espaço para o que podemos chamar a “tecnodemocracia” da era digital, ou seja, dinamizar a democracia electrónica como meio privilegiado de alargamento da cidadania.
Verdadeiramente, só faz sentido a reconversão patrimonial e paisagística da cidade se ela souber valorizar a dimensão social e cultural. É possível atrair novos investimentos e aumentar a capacidade competitiva das cidades, preservando ao mesmo tempo a sua pluralidade cultural e social. Daí que estes programas pretendam também estimular uma “esfera pública” dinâmica, informada e interventiva. É preciso contar com o voluntarismo cívico e associativo para transformar o “inferno” da vida urbana actual em ambientes agradáveis, onde se goste de viver. A alternativa é resignarmo-nos perante o transito caótico e a cultura de massas monolítica e consumista que hoje nos é imposta com a profusão de Shopings e centros comerciais que ameaçam a identidade das nossas cidades.
Estas linhas de orientação não colidem com iniciativas em curso, como a Agenda 21 ou o programa Polis, mas obrigariam a que estas deixassem de ser meras iniciativas de fachada ou instrumentos políticos desenhados por tecnocratas no segredo dos gabinetes e alheios às preocupações dos cidadãos. Pelo contrário, veiculam uma visão integrada e sustentada na envolvente social, mas sem descurar o seu impacto económico e a atractividade das cidades para novos públicos e novos segmentos da indústria turística. Esta corrente de iniciativas tem tido amplo sucesso internacional, quer na renovação da paisagem urbana e no desenvolvimento local quer no exercício da cidadania activa. As novas Polis do século XXI procuram um novo sentido de cosmopolitismo multicultural e estruturam-se como plataformas modernas de encontro, de convivialidade e de mobilidade. É tempo de os nossos autarcas e restantes agentes da vida económica, social e cultural local pensarem seriamente neste desafio.
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