M!CporCoimbra

2008/02/10

A liberdade não é grátis

( Luís Campos e Cunha, Professor Unversitário, no PÚBLICO de 08/02/08)

A liberdade não é grátis, mas devia sê-lo (e não estou falar de dinheiro). A crise das instituições democráticas e a classe política actual estão a pôr em risco a liberdade. O exercício da cidadania é cada vez mais um acto de coragem e não devia sê-lo.

As instituições democráticas, e, com elas, a democracia, estão a resvalar para a demagogia, dirigida por representantes sem ideias em lugar de lideres com horizontes. Com aqueles, algumas liberdades começam a estar em causa e até no futuro (espero que não), pondo em causa a própria liberdade. Tudo isto,,por absurdo, em nome da defesa da liberdade. A liberdade já hoje não é grátis e corremos o risco de vir a ser muito cara: só para ricos e heróis.

Os sistemas democráticos, tal qual os conhecemos, são fruto do pós-guerra e do combate aos totalitarismos, nazismo primeiro e comunismo depois. Com o fim da guerra fria e do comunismo, os pilares ideológicos da democracias ficaram sem contraponto e entraram em crise. Assim, e desde há duas décadas, as democracias elegem representantes e não líderes. Um líder é aquele que é capaz de decidir entre passar um fim de semana no Algarve ou na Serra da Estrela. Um representante não tem estratégia, calcula médias, tira bissectrizes entre a serra e o Algarve, e acaba por passar o fim de semana em Badajoz.

A crise das instituições que leva a esta estirpe de políticos (seja em Portugal, seja no Reino Unido ou na América) não seria demasiado preocupante não fora o arrastar com ela a liberdade, valor essencial da nossa existência.

A liberdade traduz-se, no dia a dia, em várias liberdades; de escrever; de falar; der nos organizarmos; de protestar; de apoiar; de votar; etc.. Uma dessas liberdades, por vezes esquecida, é a de estar errado, de falhar, de não ter razão e, mesmo assim, de poder opinar, falar e escrever.

Mas, no actual estado de coisas, aqui como lá fora, retira-se a responsabilidade moral de não fumar para não incomodar o próximo, para se passar à proibição da existência do ser imperfeito, ou seja, do fumador. Daí chega-se à raça superior, que hoje não vem dos genes, mas da proibição e do politicamente correcto consagrado na lei. A possibilidade de errar está proibida e, dentro em pouco, não frequentar um ginásio da moda será tão grave como fugir ao fisco.

E, especialmente entre nós, em que a ausência de liberdade ainda está muito presente, é muitas vezes esquecido que o exercício da liberdade não deve ser um acto heróico, mas uma banalidade. Não pode haver lugar a represálias pelo simples exercício da cidadania. O único limite à liberdade de cada um é, obviamente, o espaço de liberdade dos outros, que deve ser igual ao meu.

Para já, são pequenas liberdades que estão em causa. Os ataques às liberdades foram fruto da demagogia e do politicamente correcto, mas uma outra linha de ataque à liberdade é bem mais grave e, supostamente, em defesa da liberdade.

As escutas telefónicas (hipotéticas ou reais), as negociatas, os dossiers sobre pessoas, as câmaras de vigilância (legais ou não), minam a confiança e turvam o ambiente de liberdade .Paira permanentemente a suspeição sobre todo e qualquer cidadão. Ele sente isso e, como tal, não é livre,

Para se ter, hoje, a privacidade de há 15 anos só seria possível com um comportamento de psicopata, fugindo das auto-estradas, não usando multibancos, cartões de crédito ou contas bancárias, não entrando em supermercados ou centros comerciais ... Tal comportamento seria de tal modo custoso para o próprio e seria socialmente de tal modo estranho que certamente chamaria a atenção de algum bufo, o que justificaria algum inquérito, naturalmente. A privacidade acabou, dentro em pouco será o ataque à intimidade.

Mas não é só cá, por Lisboa. Em Londres, este fim-de-semana, havia grande celeuma(e bem) porque um membro do parlamento (MP) britânico tinha sido escutado pelos serviços de informações antiterroristas. Esse MP é, por caso, trabalhista e muçulmano.

O Presidente Bush legalizou a tortura e passaram a fazer-se interrogatórios utilizando métodos atribuídos à PIDE, para defender a liberdade e o Estado de Direito. Tudo legal, naturalmente.

E tudo isto em defesa da liberdade. Se tal não for atalhado e a corrida para o abismo não parar, os terroristas podem reformar-se, pois os democratas entretanto fizeram o trabalho por eles. Cada vez mais, os políticos-representantes, com o pragmatismo elevado a ideologia, põem em causa a política e os princípios. A liberdade já não é grátis, mas devia sê-lo, e pode vir a ter um preço que pode ser a própria liberdade.

2 comentários:

  • Então o MIC não distingue as ansiedades críticas com marca de direita das que têm marca de esquerda ?

    By Anonymous Anónimo, às domingo, fevereiro 10, 2008 10:03:00 da tarde  

  • Este "post" é da minha inteira responsabilidade.
    Mais importante para mim do que a marca da direita( que pessoalmente não vilunsbro) ou a marca da esquerda, ou a necessidade de concordar ou discordar do que está escrito, é a possibilidade de me (nos) fazer parar para pensar.

    Muito obrigada por esta sua participação e aguardo mais comentários seus.

    Alice S. Castro

    By Anonymous Anónimo, às segunda-feira, fevereiro 11, 2008 3:25:00 da manhã  

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