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2006/11/20

Diferença, igualdade e “Remix sexista” no ambiente académico de Coimbra

Diferença, igualdade e “Remix sexista” no ambiente académico de Coimbra

Elísio Estanque

A propósito de um recente comentário no meu blogue (de J. P. Filipe, a quem agradeço, sobretudo pela ironia da mensagem), convém esclarecer dois ou três pontos e denunciar mais um caso que considero preocupante.

Quem me conhece sabe que nunca fui apologista da “igualização”, do “monolitismo” ou do “pensamento único”... Pelo contrário, advogo a liberdade, a diferença e a irreverência dos costumes e dos comportamentos, não apenas entre a juventude, mas entre a comunidade mais geral de cidadãos e cidadãs livres, autónomos e emancipados que todos temos o direito (e o dever) de ser, ou pelo menos lutar para lá chegarmos!! Quem me conhece sabe também que gosto de manter o contacto com os jovens e com os estudantes, participo em jantares dos meus estudantes sempre que sou convidado, visito repúblicas, relaciono-me bem com os dirigentes associativos (da AAC, dos núcleos da minha faculdade, etc) e procuro incentivar os meus estudantes a participar mais na vida académica, associativa e cívica. Acho que isso também faz parte dos deveres de um professor.

Quanto à proposta de cartaz da latada (veja-se ‘jp filipe’ neste link) , apesar do registo irónico, diria que acho bem, acho que sim: incluir raparigas no cartaz da Festa das Latas seria o mínimo. Incluir raparigas e rapazes em ambiente de camaradagem, seria óptimo! Mas não defendo qualquer igualização. Rapazes magros, gordos, carecas e cabeludos, brancos e negros; raparigas altas e baixas ou esqueléticas..., com óculos ou sem óculos, vestidas com traje ou sem traje. Não se deve tratar como igual o que é diferente. E há diferenças fundamentais no relacionamento entre ambos os sexos que devem manter-se, que são necessárias e saudáveis, como é óbvio.

Mas isso não pode confundir-se com segregação ou exclusão seja de quem for: deficientes físicos, lésbicas ou homossexuais, minorias étnicas e religiosas, negros, brancos, asiáticos, mulheres e homens de todas as cores, raças e condições precisam de saber conviver uns com os outros na base do respeito recíproco, das regras de civismo e do relacionamento democrático que o nosso mundo multicultural requer. O que não é correcto é segregar ou excluir (ou omitir, o que é ainda pior...) quem possui estatuto igual. Como diz um famoso sociólogo de Coimbra, “devemos reivindicar a diferença sempre que a igualdade é opressiva, e reivindicar a igualdade sempre que a diferença é excludente...”.

Portanto, no âmbito desta discussão, as raparigas, as estudantes de Coimbra devem reivindicar o tratamento igual a que têm direito (é apenas a minha opinião), nomeadamente no anúncio de uma festa que é, afinal, de todos e de todas! Depois, quanto aos rituais da praxe serem feitos separadamente por cada um dos sexos ou com rapazes e raparigas à mistura, isso é um problema dos próprios estudantes. Eles e elas é que devem decidir. Por mim respeito qualquer das opções, desde que haja respeito recíproco. E acho que neste momento o que, infelizmente, se nota no seio da academia (e da parte deles e delas) é uma grande incompreensão e insensibilidade tanto em relação ao estatuto da mulher como em várias outras coisas.

Ainda ontem apareceu um cartaz da discoteca “Remix” a anunciar a “noite da mulher” que tem como imagem o traseiro nu de uma rapariga. Não, não é uma atitude pudica ou moralista que advogo, até porque a pornografia está hoje tão banalizada que já ninguém se choca com imagens de sexo explícito. Mas isto é pior do que pornografia! Revela, além de uma agressão grosseira à condição da mulher, um machismo primário e inadmissível no meio universitário. A imagem fala por si: para além do rabo sensual, dos cabelos compridos molhados, da fotografia a preto e branco sob as letras vermelhas «REMIX/ RMX NOITE DA MULHER - Todas as Terças - 6 BEBIDAS 3.5 €» há um subtexto que espelha uma absoluta falta de formação e de incultura. É claro que o poster não foi feito por estudantes nem por praxistas (presumo), mas o simples facto de existir e de ser dirigido à comunidade estudantil deveria merecer, pelo menos, o mais vivo repúdio por parte de quem saiba respeitar a dignidade das mulheres (e dos homens!).

Noutros anúncios que ultimamente circulam nas faculdades dedicados a cursos de formação práticos, também lá está a mesma mensagem: a parte dos trabalhos domésticos, costurar, passar a ferro, cozinhar, etc, obviamente, é escrita no feminino e destinada apenas às raparigas! Pois claro! Volte-se ao antigamente: mulheres em casa a bordar, a limpar e a tomar conta dos filhos e homens no futebol, nos copos e na vida pública em geral! E é impressionante que as jovens universitárias de hoje não percebam que é por estas e por outras que o seu futuro profissional está a ser hipotecado! De facto, parece que estamos em processo de acelerada regressão a este nível. E quando tudo isto acontece ao nível de quem tem ou está em vias de conseguir uma “formação superior”, que diremos do resto país?