M!CporCoimbra

2007/05/02

Sindicalismo – do ‘prec’ aos precários...


Pode dizer-se que o sindicalismo português nasceu com o PREC. O processo revolucionário em curso, que havia de levar ao socialismo, com os sindicatos e o operariado na vanguarda dessa luta. No princípio era a vivência da liberdade, era a alegria – estava o povo todo contente, como dizem agora as nossas crianças –, era a emancipação vivida no colectivo (ilusória mas real), traduzida em abraços, vês de vitória, sorrisos cúmplices e gestos solidários. Os humilhados e explorados, os trabalhadores, os sectores oprimidos e perseguidos pelo fascismo, tiveram então uma voz, gritaram em uníssono “fascismo nunca mais!”, “abaixo o capitalismo!”, “viva a classe operária!”, “viva o socialismo!”.

O movimento sindical português pôde finalmente organizar-se livremente e mobilizar os trabalhadores numa luta que tinha tanto de reivindicativa como de política. Isto tudo ocorreu no grande mar de utopia em que navegava a esquerda da época. Era a dinâmica das bases que comandava, que ultrapassava as estruturas dirigentes e os partidos políticos. Se bem que estes nunca deixassem de espreitar o momento de cavalgar os movimentos populares e, no campo sindical, já se digladiassem para o controlar.

A institucionalização dos sindicatos, decorreu sob os efeitos desse contexto. Daí que, a versão mitigada e tardia de “Estado-Providência” que se conseguiu em Portugal levasse no seu seio a cultura sindical da época. O seu protagonismo e capacidade negocial aumentavam na mesma medida em que se reforçava a lógica burocrática e a mítica classe operária se ia “desfazendo no ar” (como tudo o que é sólido...). Adeus prec!

Passada a “ressaca” revolucionária, o movimento sindical português não conseguiu encontrar outras respostas senão o discurso defensivo e ressentido. No plano político, via cada vez mais longe o sonhado paraíso socialista e, no plano laboral, via recuar todo um conjunto de conquistas e de direitos julgados irreversíveis. Não conseguiu conjugar a actividade dirigente com a mobilização das bases, nem a negociação de cúpula com a democracia nas empresas, nem o discurso de resistência e denúncia com uma efectiva prática democrática interna que lhe permitisse renovar-se.

Se no sector público os direitos laborais resistiram até mais tarde, no sector privado foram desde cedo ignorados e torneados de mil maneiras. Com as empresas a encerrar e a estabilidade do emprego cada vez mais ameaçada, a precariedade e a insegurança apoderaram-se do operariado, afastando-o dos sindicatos. Durante décadas as manifestações do 1º de Maio (tornadas meros rituais) foram gritando contra, mas fazendo cedências, resmungando, mas aceitando cada vez mais concessões.

A globalização neoliberal, desencadeada a partir dos anos 80, intensificou esse processo e, de ano para ano, os níveis de filiação sindical do sector industrial sofreram reduções drásticas. As estruturas sindicais, apesar do discurso em nome da classe trabalhadora (e contra os ataques às conquistas alcançadas), foram-se acomodando à situação e vivendo sobretudo da única base sólida que lhes restava: os sectores da administração pública.

O problema é que o ataque aos direitos laborais expandiu-se do sector industrial aos serviços – banca e seguros, sobretudo – e hoje atingem já a generalidade do mercado de trabalho, inclusive as áreas do emprego até há poucos anos mais estáveis e seguros. Hoje, somos todos precários. Flexibilidade, mercado, tecnologias, mobilidade, competitividade, blá, blá..., são os tópicos da moda governamental que temos vivido. Esta retórica tem cada vez menos credibilidade, sobretudo num país como o nosso, com todas as deficiências e atrasos que se conhecem e onde as pessoas, os trabalhadores e os desempregados, o que mais anseiam é protecção e segurança. E esse garante só pode ser o emprego. Não é com mais facilidade em despedir que a produtividade aumenta. É com inovação e estabilidade. É com mais oferta de emprego, qualificado e estável.

Os novos explorados são também aqueles – jovens escolarizados com menos de 35 anos – para quem o termo “prec” significa provavelmente precário. Eles não são sindicalizados nem compreendem o actual discurso sindical, o qual, está – reconheça-se – bastante gasto! Ora, creio eu que qualquer iniciativa que procure congregar e mobilizar o cada vez maior segmento dos precários terá de passar por novas modalidades de organização (sindicais, associativas, culturais, etc) e por um novo discurso que seja aliciante para uma juventude qualificada, moderna e informada. Uma juventude onde o desemprego cresce assustadoramente e que só tem razões para estar descontente e cada vez mais revoltada. Acredito que por aí passarão as novas formas de conflitualidade social do século XXI. É preciso que o sindicalismo saiba perceber isso e saiba agir em consonância com a nova realidade social e laboral.

Elísio Estanque, Centro de Estudos Sociais Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra