Protestos na Grécia
Movimentos juvenis e conflitualidade
Elísio Estanque, Jornal Público, 17/12/2008
Os recentes distúrbios na Grécia ou os que ocorreram há poucos anos em França, envolvendo milhares de jovens em fúria, podem suscitar a dúvida quanto à possibilidade de uma onda semelhante de agitação social vir a atingir o nosso país.
Apesar da ideia dos “brandos costumes” permanecer colada à imagem de Portugal, não é preciso recuar muito na nossa história para se constatar que a suposta resignação dos portugueses, tem os seus limites. A I República e o 25 de Abril de 1974 deixaram as suas marcas no plano da contestação e do radicalismo político. Muito embora o actual contexto seja bem diferente dos desses períodos, a realidade social e económica é sempre um factor decisivo para a eclosão de protestos sociais, independentemente das causas próximas – um excesso, um abuso, ou uma morte inocente –, as quais constituem apenas a faísca que pode incendiar a pradaria.
Os movimentos sociais dos anos 60-70 surgiram na sequencia de um conjunto de rupturas socioculturais contra a mentalidade convencional, o clima de Guerra Fria, a corrida aos armamentos, as agressões ao ambiente, a segregação sexual, etc., denunciando as insuficiências da democracia representativa. Tudo isto nos países avançados do ocidente, onde uma economia em crescimento e um Estado-providência forte pareciam garantir um futuro de bem-estar geral. Esses movimentos, animados principalmente por sectores juvenis e escolarizados, filhos das classes médias e superiores, orientavam-se por atitudes e subjectividades pós-materialistas, uma vez que as necessidades materiais estavam asseguradas e eram (ou pareciam ser) irreversíveis.
Ontem, como hoje, uma parte do que anima os movimentos juvenis, como o Maio de 68 em Paris, deriva das condições de emergência que mobilizam os grupos e as comunidades, o que requer a identificação de um opositor, de um “inimigo”. Mas enquanto nessa altura era a consciência política e as auto-proclamadas “vanguardas” que assumiam a liderança da luta, neste início do século XXI a acção colectiva perdeu parte do seu conteúdo político. Dito de outro modo, continua em vigor o princípio da “válvula de escape”, mas os seus efeitos são politicamente mais incertos. As ondas de protesto e o discurso de indignação que as acompanha, exacerbados por um poder de Estado de cariz autoritário, podem ganhar um efeito mimético de proporções imprevisíveis, se para tal as condições sociais se tornarem propícias.
Ninguém pode prever qual o grau de contágio que o caso grego pode adquirir no resto da Europa. Mas o certo é que a juventude europeia se debate com uma absoluta falta de perspectivas de futuro. Tal imprevisibilidade e em especial as perspectivas sombrias no plano do emprego, vêm condenando os jovens licenciados a trabalhos descompensados e mal pagos (a geração dos 500 ou 700 euros), a uma precariedade que se prolonga muito para lá do tolerável. Isto é, sem dúvida, um cenário social bem longe da situação que se vivia nos idos anos 60 do século XX. Hoje, ao contrário daquela década, os problemas e carências materiais (leia-se, ausência de um emprego decente) voltaram a ser a primeira das necessidades por satisfazer. Nesse aspecto, como em vários outros, a Europa regrediu. Hoje, o movimento estudantil já não exprime um radicalismo de classe média, tornou-se antes expressão do descontentamento de milhares de famílias de escassos recursos, que investiram nos seus filhos para lhes dar uma educação (e um “título” de Dr), mas que agora se encontram no limbo entre a precariedade e o desemprego.
Apesar de a juventude actual se mostrar relativamente indiferente perante a política e a “esfera pública”, o consumismo alienante já deixou de ser suficiente para compensar a “privação relativa” com que se confrontam milhares de jovens. Na verdade, a ausência de perspectivas de um futuro condigno (pelo menos tão bom como o dos pais) parece estar a induzir um “ressentimento geracional” que, à falta de medidas adequadas, será propício a respostas radicais e a uma agitação social envolvendo não só os sectores escolarizados com trabalho precário ou em busca do primeiro emprego mas, porventura atrás deles, outros segmentos sociais igualmente empurrados para as margens da sociedade
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