M!CporCoimbra

2008/12/20

Uma nova esquerda?

Um passo em frente, dois passos atrás

Elísio Estanque, 19/12/08, em www.boasociedade.blogspot.com

Nos últimos dois dias continuaram a suceder-se as entrevistas, os artigos, os comentários directa ou indirectamente relacionados com o Encontro das Esquerdas e Manuel Alegre. Para uns sim, para outros não, para outros nem pensar, enfim... Confesso que todo o frenesim mediático à volta deste acontecimento ultrapassou as minhas expectativas. E esse mesmo facto é em si próprio revelador de que a iniciativa foi boa, foi oportuna, foi no momento certo. Pelo menos foi-o no sentido em que tornou esse evento num novo facto político. Desde logo porque o tem sido ao longo de toda a semana mediática, segundo porque pairou em diversos momentos sobre as iniciativas do Governo e dos partidos políticos (sobretudo os de esquerda) e, terceiro, porque é muito provável que no futuro próximo sejam desencadeadas novas iniciativas que resultam, pelo menos em parte, da do passado fim de semana.

Mais importante do que fazer cálculos eleitorais sobre o modo como o futuro “bolo” eleitoral da esquerda seja repartido (Rui Tavares), ou mais importante do que especular sobre os meios financeiros e o “para quê?” de um novo partido (VPV), será acompanharmos a evolução das coisas. Manuel Alegre foi ambíguo, é certo. Mas, como ele próprio está farto de dizer “a política não é uma questão de preto e branco”, insere-se num campo de múltiplas complexidades (sociais, simbólicas, discursivas, culturais), e é, em larga medida, um jogo. Um jogo em que os actores participantes fazem cálculos e definem estratégicas, mas em que esses mesmos cálculos e estratégias sofrem constantes arranjos e ajustamentos. Muitas vezes a dinâmica das sucessivas “jogadas” ganha vida própria e sobrepõe-se aos actores; seja obrigando-os a fazer aquilo que não pensavam fazer, seja a negar aquilo que antes afirmaram ou prometeram.

Neste caso, o importante é abrir canais e pôr as esquerdas a dialogar e a reflectir. Começa a perceber-se que é falsa a inevitabilidade de termos que viver com os partidos que temos, e de nos resignarmos à sua incapacidade de mudar. O próprio facto desta questão ter assumido as proporções que assumiu na ultima semana dá que pensar. Não será que o terreno está mesmo preparado para uma ruptura de paradigma? E parece cada vez mais claro que o facto político da semana poderá trazer mais novidades para a cena política portuguesa. Mesmo sabendo que a estratégia política já não é o que era, vale a pena lembrar o velho lema de Lenine «um passo em frente, dois passos atrás». Nem tudo será linear, mas há coisas que estão a mudar.