A segunda vida do SNS
[Pedro Afonso, Médico psiquiatra, Público.pt, 27-09-2007] |
Embora a aspiração seja legítima, esta opção tem sido difícil de compreender, quer pelos doentes, quer ainda por quem lhes cuida da saúde. Numa altura em que se verifica novamente uma grande contestação por todo o país às políticas de saúde do Governo, já muitos portugueses perceberam que o mesmo partido que criou o Serviço Nacional de Saúde (SNS) parece querer ditar-lhe uma sentença de morte.
Tal como tem acontecido com muitos cibernautas que participam entusiasticamente no jogo Second Life, o Governo parece partilhar dessa paixão e, renunciando ao modelo político anterior, encontra-se apostado em criar uma segunda vida para o SNS.
Embora a aspiração seja legítima, esta opção tem sido difícil de compreender, quer pelos doentes, quer ainda por quem lhes cuida da saúde.
As medidas de centralização dos cuidados de saúde perceptíveis através do encerramento de maternidades, dos serviços de urgência, tem provocado a ira dos autarcas e um sentimento de insegurança e revolta das populações. Se é verdade que não se justifica haver uma unidade de saúde em cada esquina, também é verdade que é difícil de aceitar, por qualquer cidadão residente no interior e que paga os seus impostos, trocar o pouco que existe em termos cuidados de saúde por quase nada mais. Mas, se a actual política do Governo é de concentrar recursos, torna-se curioso constatar que, por exemplo, as recomendações da comissão governamental para reestruturação dos serviços de saúde mental tenham sido precisamente em sentido contrário. No relatório apresentado (e pouco discutido), prevê-se o encerramento dos grandes hospitais psiquiátricos e a abertura, por todo o país, de vários serviços de Psiquiatria; portanto, próximo da comunidade. Ora, isto parece-me, no mínimo, confuso.
Recentemente, o ministro da Saúde acusou os médicos de falta de produtividade e anunciou a aplicação, em todos os hospitais e centros de saúde, de sistemas biométricos de controlo de assiduidade. No contexto destas afirmações, esta medida política é astuta e popular. Deste modo, qualquer objecção por parte dos médicos é de imediato rotulada como corporativista e a contestação morre.
Este assunto, porém, é complexo e mais grave do que, à partida, fazia supor. Na minha opinião, esta medida é anacrónica e traz com ela aquilo que há de pior na mentalidade de algum funcionalismo público, uma vez que privilegia o "estar" em vez de motivar.
Aqui e ali, vai-se notando que a ordem é poupar e que os critérios economicistas acabam, muitas vezes, por limitar o exercício de uma boa medicina, impedindo desta forma a possibilidade de oferecer às populações o que de melhor existe ao nível dos cuidados de saúde.
Por exemplo, tem-se criado uma certa ilusão em torno da questão dos genéricos.
Se actualmente a existência destes medicamentos é relativamente consensual, tem-se transmitido a ideia errada de que o aumento do consumo destes medicamentos é sinónimo inequívoco da prática de uma medicina moderna. Chega-se mesmo ao ponto de passar uma mensagem subliminar demagógica que utiliza a percentagem da prescrição de genéricos como critério de comparação com os serviços de saúde dos países nórdicos "mais desenvolvidos". Na realidade, ao mesmo tempo que o Infarmed foi duramente criticado pela Apifarma por gastar uma fortuna numa campanha publicitária que promove o uso destes medicamentos, tivemos recentemente notícias de que foram recusados, por comissões de farmácias hospitalares, medicamentos de última geração, e por isso mais caros, a doentes com cancro. Mas, afinal, para que serve poupar dinheiro nos medicamentos mais antigos se depois não se pode gastar em tratamentos inovadores?
Em síntese: sem a previsão de abertura a curto prazo de novos hospitais, com o êxodo de médicos altamente diferenciados dos hospitais públicos para o sector privado, e com políticas cada vez restritivas ao nível dos gastos na saúde, resta-nos perguntar: será que estamos a assistir ao fim do SNS, ou será que, tal como no jogo da Internet, estamos perante uma segunda vida virtual do SNS, sem qualquer ligação com a realidade?
Tal como tem acontecido com muitos cibernautas que participam entusiasticamente no jogo Second Life, o Governo parece partilhar dessa paixão e, renunciando ao modelo político anterior, encontra-se apostado em criar uma segunda vida para o SNS.
Embora a aspiração seja legítima, esta opção tem sido difícil de compreender, quer pelos doentes, quer ainda por quem lhes cuida da saúde.
As medidas de centralização dos cuidados de saúde perceptíveis através do encerramento de maternidades, dos serviços de urgência, tem provocado a ira dos autarcas e um sentimento de insegurança e revolta das populações. Se é verdade que não se justifica haver uma unidade de saúde em cada esquina, também é verdade que é difícil de aceitar, por qualquer cidadão residente no interior e que paga os seus impostos, trocar o pouco que existe em termos cuidados de saúde por quase nada mais. Mas, se a actual política do Governo é de concentrar recursos, torna-se curioso constatar que, por exemplo, as recomendações da comissão governamental para reestruturação dos serviços de saúde mental tenham sido precisamente em sentido contrário. No relatório apresentado (e pouco discutido), prevê-se o encerramento dos grandes hospitais psiquiátricos e a abertura, por todo o país, de vários serviços de Psiquiatria; portanto, próximo da comunidade. Ora, isto parece-me, no mínimo, confuso.
Recentemente, o ministro da Saúde acusou os médicos de falta de produtividade e anunciou a aplicação, em todos os hospitais e centros de saúde, de sistemas biométricos de controlo de assiduidade. No contexto destas afirmações, esta medida política é astuta e popular. Deste modo, qualquer objecção por parte dos médicos é de imediato rotulada como corporativista e a contestação morre.
Este assunto, porém, é complexo e mais grave do que, à partida, fazia supor. Na minha opinião, esta medida é anacrónica e traz com ela aquilo que há de pior na mentalidade de algum funcionalismo público, uma vez que privilegia o "estar" em vez de motivar.
Aqui e ali, vai-se notando que a ordem é poupar e que os critérios economicistas acabam, muitas vezes, por limitar o exercício de uma boa medicina, impedindo desta forma a possibilidade de oferecer às populações o que de melhor existe ao nível dos cuidados de saúde.
Por exemplo, tem-se criado uma certa ilusão em torno da questão dos genéricos.
Se actualmente a existência destes medicamentos é relativamente consensual, tem-se transmitido a ideia errada de que o aumento do consumo destes medicamentos é sinónimo inequívoco da prática de uma medicina moderna. Chega-se mesmo ao ponto de passar uma mensagem subliminar demagógica que utiliza a percentagem da prescrição de genéricos como critério de comparação com os serviços de saúde dos países nórdicos "mais desenvolvidos". Na realidade, ao mesmo tempo que o Infarmed foi duramente criticado pela Apifarma por gastar uma fortuna numa campanha publicitária que promove o uso destes medicamentos, tivemos recentemente notícias de que foram recusados, por comissões de farmácias hospitalares, medicamentos de última geração, e por isso mais caros, a doentes com cancro. Mas, afinal, para que serve poupar dinheiro nos medicamentos mais antigos se depois não se pode gastar em tratamentos inovadores?
Em síntese: sem a previsão de abertura a curto prazo de novos hospitais, com o êxodo de médicos altamente diferenciados dos hospitais públicos para o sector privado, e com políticas cada vez restritivas ao nível dos gastos na saúde, resta-nos perguntar: será que estamos a assistir ao fim do SNS, ou será que, tal como no jogo da Internet, estamos perante uma segunda vida virtual do SNS, sem qualquer ligação com a realidade?
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