M!CporCoimbra

2007/09/03

Um(a) desempregado(a) também é uma pessoa


(*António Vilarigues, no Público de hoje )
Um dos problemas quando se aborda o tema desemprego é o grande peso dos dados numéricos. Esquecemo-nos com demasiada frequência que por detrás de cada desempregado(a) está uma pessoa concreta. Com os seus sonhos, as suas esperanças, as suas ambições. Com a sua realidade familiar. Está um pai, uma mãe, um filho, uma filha, um irmão, uma irmã. Muitas vezes, demasiadas mesmo, está uma família inteira.

O aumento do desemprego é sinónimo de dificuldades económicas para centenas de milhares de famílias. É sinónimo de dificuldades no acesso a bens e serviços essenciais. É sinónimo de novas vagas de emigração. É sinónimo de degradação das condições de vida. É sinónimo de endividamento. É sinónimo de situações de pobreza, miséria e exclusão social.

Raramente é, ao contrário do que diz a cartilha neoliberal, sinónimo de "novas oportunidades". Aliás, como o poderia ser se em Portugal, como já demonstrámos em artigo anterior (A nudez crua da verdade, edição de 12/6), se empobrece a TRABALHAR?

Vamos à dura realidade dos números (vide os estudos do economista Eugénio Rosa referidos em http://ocastendo.blogs.sapo.pt/33243.html):

A taxa de desemprego em sentido restrito atingiu, no final do 2.º trimestre de 2007, os 7,9 por cento. O que corresponde a 440.500 trabalhadores no desemprego. Este é o valor mais elevado registado no segundo trimestre do ano, desde que o INE iniciou a actual série de Inquéritos ao Emprego em 1998.

O número de desempregados subiu 8,6 por cento em relação ao trimestre homólogo do ano anterior (+ 34.900 trabalhadores no desemprego).

O aumento do desemprego atinge esmagadoramente as mulheres e por esta razão a taxa de desemprego das mulheres está nos 9,4 por cento. Dos 34.900 trabalhadores a mais desempregados entre o 2.º trimestre de 2006 e o 2.º trimestre de 2007, verifica-se que 32.700 trabalhadores são mulheres.

A taxa de desemprego dos jovens (15-24 anos) atingiu o valor de 15,3 por cento, quase o dobro da média nacional.

O desemprego dos trabalhadores licenciados subiu 25,1 por cento de um ano para o outro. Existem hoje 50.800 trabalhadores licenciados no desemprego, mais 10.200 do que no 2.º trimestre do ano passado.

Cerca de metade do desemprego é de longa duração. No final do 2.º trimestre de 2007 tínhamos 221 mil trabalhadores que procuram emprego há menos de 12 meses e 216.400 trabalhadores que procuram emprego há mais de um ano.

A evolução do emprego acompanha o modelo de desenvolvimento económico cujo perfil é de emprego pouco qualificado. As únicas profissões que no último ano viram a população empregada aumentar foram o "pessoal dos serviços e vendedores" (mais 16.700 pessoas) e os trabalhadores não qualificados (50 mil trabalhadores). Em contrapartida reduziu-se o número de quadros superiores (-48.300), o de trabalhadores intelectuais (-11.400), o de técnicos e profissionais de nível intermédio (-8600) e o de operários, artífices e trabalhadores similares (-17.600).

Em vez da prometida criação de 150.000 postos de trabalho assumida pelo PS durante as últimas eleições legislativas, o que se verifica é que o número de desempregados cresceu desde a tomada de posse do Governo, de 399.300 para os actuais 440.500.

Sublinhe-se que a verdadeira dimensão do desemprego no nosso país só pode ser apreendida se ao número de desempregados em sentido restrito, que o INE revelou, acrescentarmos os inactivos disponíveis para trabalhar (80.300) e o subemprego visível (68.100). Obtemos assim o valor do desemprego em sentido lato, isto é, 588.900 trabalhadores e 10,4 por cento de desemprego.

A manter-se esta situação, poderemos estar a caminhar para o mais elevado nível de desemprego jamais registado em Portugal. Esta é, diga-se mais uma vez, a nudez crua da verdade.

Com consequências extraordinariamente negativas em vários planos. Desde logo no desenvolvimento e dinamização do mercado e consumo interno. Depois nas despesas e receitas da segurança social. Bem como nos níveis salariais praticados. Finalmente, nos direitos dos trabalhadores.

A tudo isto acresce, recorde-se mais uma vez, o problema da precariedade. Os dados do INE revelam uma nova realidade que se aprofunda com este Governo: a maior liquidação de sempre de postos de trabalho efectivos e a promoção do emprego precário como regra.

Entre o 2.º trimestre de 2006 e o 2.º trimestre de 2007, os trabalhadores com contratos a prazo são agora mais 77.800 do que o ano passado. Atingiu-se o valor mais elevado de sempre: 863.700 trabalhadores (22,2 por cento do total de trabalhadores por conta de outrem). Também a população empregada a tempo parcial aumentou em 40.800, atingindo já os 630.200 empregados.

Como resultado do aumento da precariedade verificou-se agora a liquidação, em apenas um ano, de 77.600 contratos de trabalho sem termo. Na prática, são agora postos de trabalho permanentes ocupados por trabalhadores contratados a prazo, com falsos recibos verdes, em trabalho temporário, ou em bolsas de formação e investigação.

Se adicionarmos ao número de trabalhadores por conta de outrem com contrato precário (863.700) o número de trabalhadores por conta própria como isolados - chamados falsos recibos verdes (379.135) -, concluímos que 1.242.835 trabalhadores têm hoje um vínculo precário, isto é, 1 em cada 4 trabalhadores é precário.
Como facilmente se comprova, é falsa a tese de que "o mercado de trabalho precisa de ser mais flexível". O que está de facto em causa é a desregulamentação completa das relações de trabalho em benefício do capital.

Nota final: registe-se que a remuneração média de cada membro de conselho de administração das empresas cotadas na bolsa representa 31,5 mil euros/mês e uma grande parte destes administradores foram aumentados sessenta vezes mais que um trabalhador comum...

*Especialista em Sistemas de Comunicação e Informação