M!CporCoimbra

2007/11/23

Desqualificados...






Mário Contumélias, Docente universitário

Exmo. sr. presidente do Conselho, fará V. Exa, na sua infinita generosidade, o favor de desculpar a minha ousadia por voltar a escrever-lhe, passado tão pouco tempo. Mas é que estou muito preocupado com o futuro dos meus filhos e não sei o que hei- -de fazer; preciso mesmo da sua ajuda. Eu explico.

No ano passado, o meu filho mais novo quis deixar o ensino "tradicional" e optar pelo ensino técnico, profissionalizante. Nessa altura, lembrei-me da paixão do PS pela educação, do "choque tecnológico", e desconvenci o rapaz. Disse-lhe que era má ideia, que mais vale ser engenheiro por uma hora do que canalizador toda a vida; que quem quer ter uma carreira profissional a sério precisa de obter qualificações como deve ser, etc., etc.. Resultou.

Veja agora a minha confusão quando sou surpreendido pela notícia segundo a qual o desemprego entre os licenciados está a crescer e que, desde que V. Exa tomou posse, Portugal perdeu 167 mil empregos qualificados. Fiquei aflito. Tanto mais que tinha bem fresca a sua afirmação de que haviam sido criados mais 106 mil postos de trabalho, estando por isso quase cumprida a promessa do Governo.

Dizem-me os seus detractores que sim, que é verdade, mas uma verdade triste porque esses novos empregos, a que se referiu, são verdadeiros mas precários e destinados a jovens pouco qualificados. Os outros, os que andam a queimar as pestanas e a esfolar o desgraçado bolso dos pais para frequentar a universidade, não têm direito a nada. Empregos novos sim, mas desqualificados.

Ora eu recuso-me a acreditar. V. Exa não andaria por aí a gabar-se de ter contido o desemprego e de o seu Governo ter conseguido produzir mais 106 mil postos de trabalho se eles fossem postos de trabalho da "treta". E, sobretudo, se, no outro lado da moeda, o desemprego continuasse no limiar dos 8 por cento; se tivessem desaparecido 22 mil postos de trabalho com contrato firme; se 55% dos jovens empregados trabalhassem em empregos precários e o país não fosse capaz de criar ocupação profissional adequada para uma percentagem significativa dos jovens com formação académica.

Mas, apesar da minha boa-fé, V. Exa compreenderá a minha preocupação. O sr. presidente do Conselho só tem de responder perante os eleitores e como é um homem afirmativo, decidido, convicto, possuidor de autoridade, são "favas contadas", mandato renovado, que os portugueses bem sabem que precisam de si.

Agora, eu estou em maus lençóis. Tenho de responder perante o meu filho e o rapaz acredita mesmo na liberdade, diz que não cede a pressões nem a chantagens, que só revê pontos de vista convencido pela razão. Quando perceber que, afinal, ser qualificado é um obstáculo ao futuro, o que vai pensar de mim? Vai sentir-se enganado, vai perder-me o respeito.

O que sugere V. Exa que eu faça? Talvez recomendar-lhe que treine na bicicleta para poder entregar pizzas com rapidez, quando acabar o curso? Ou que ensaie a voz ao telefone, criando competências para trabalhar num desses fantásticos "call center" que por aí há e onde se empregam alguns licenciados? Ou ainda, quem sabe, que procure formação numa das fascinantes profissões do turismo, de ajudante de porteiro a empregado de mesa, aprendendo primeiro línguas, claro?

Desculpe a insistência, mas estou mesmo numa aflição. Não sei o que hei-de fazer à vida. É que também eu sou um bocadinho qualificado, coisa que só me tem prejudicado e isso ainda me assusta mais quando penso no amanhã dos meus filhos.

Grato pela atenção de V. Exa.

Mário Contumélias escreve no JN, quinzenalmente, às sextas-feiras