M!CporCoimbra

2008/03/27

Comissão de inquérito a infecção no Hospital dos Covões detectou muitas deficiências

(27.03.2008, Alexandra Campos, no PÚBLICO)

Primeiro dos 17 doentes operados às cataratas tinha uma úlcera numa perna. Um deles ficou cego de um olho
A comissão de inquérito que investigou a infecção que afectou cinco doentes operados às cataratas no Centro Hospitalar de Coimbra (CHC) - um dos quais acabou por ficar cego de um olho, em Setembro passado - detectou muitas deficiências e concluiu que as condições físicas do pré e do pós-operatório eram "precárias e inadequadas". Deficiências que, segundo a comissão, podem ter estado na origem da contaminação.
Um dos problemas enumerados tem que ver com a utilização dos mesmos colírios (em vezes de doses individuais) nos 17 doentes operados às cataratas, uns a seguir aos outros (entre as 8h30 e as 16h05 do dia 15 de Setembro de 2007), no Hospital dos Covões. Cinco acabariam por ficar contaminados com uma bactéria - em três dos casos apurou-se que se tratava da pseudomonas aeruginosa. A mesma bactéria, ainda que de uma estirpe diferente, foi encontrada posteriormente numa úlcera do primeiro doente a entrar no bloco operatório. "Há uma probabilidade, não desprezível, da contaminação ter sido provocada por um agente infeccioso alojado na úlcera da perna direita do primeiro doente intervencionado", defende a comissão, pondo em causa o ordenamento da entrada dos pacientes no bloco.
O grupo de trabalho nomeado pelo conselho de administração do hospital concluiu ainda que a infecção pode estar associada às deficientes condições da preparação pré-operatória do serviço de oftalmologia - "proximidade excessiva dos doentes, condições físicas precárias e inadequadas, utilização dos mesmos colírios em todos os doentes", entre outras. Também a entrada no bloco operatório se fez de forma "muito pouco recomendável", porque o dispositivo mecânico de transferência de doentes (transfer) estava avariado, lê-se no relatório, que acrescenta que o pós-operatório apresentava igualmente condições deficientes, devido à sua "exiguidade".
O documento acaba de ser enviado ao deputado do Bloco de Esquerda João Semedo, que o requereu em Outubro do ano passado, depois de o presidente do conselho de administração do CHC ter considerado que era "inconclusivo". Em comunicado, Rui Pato afirmava então que o relatório, "embora exaustivo, não é conclusivo, dadas as dificuldades de a posteriori se avaliarem os procedimentos do acto operatório".
João Semedo defende, porém, que este relatório "revela com nitidez que houve precipitação na avaliação clínica de um doente infectado com uma úlcera". Mas o que o deputado considera "particularmente grave" é a utilização de colírios e desinfectantes sem ser em monodose, "por razões de poupança". "Este relatório deve servir como alerta para os responsáveis hospitalares não se deixarem condicionar por políticas de cortes orçamentais", remata.
Para além das deficiências referidas, a comissão de inquérito detectou ainda diversas "inconformidades e inconsistências" nos processos clínicos, como a ausência de consentimento informado e a não realização de consultas de anestesia.
Face ao cenário encontrado, o grupo de trabalho fez uma série de recomendações, nomeadamente a definição de um número máximo de doentes a operar em cada sessão, tendo em conta os recursos humanos e materiais existentes, e a utilização de colírios e outros solutos apenas em dose individual.
O relatório da comissão fala em "proximidade excessiva dos doentes, condições físicas precárias e inadequadas".