M!CporCoimbra

2008/03/04

O direito ao pessimismo

Sérgio de Andrade, Jornalista, escreve no JN, semanalmente às terças-feiras

É bom verificar que, eventualmente, nos partidos políticos (tão mal cotados na opinião pública), aparece quem não sacrifique tudo à necessidade de conseguir o poder, absoluto de preferência. Mesmo no PS, que, pobre dele, é obrigado a engolir capítulos do seu programa eleitoral (para bem de nós todos, pois!), encontra-se um António José Seguro, o único que votou contra o "não" ao referendo sobre o Tratado Europeu. Ou Manuel Alegre, que ainda vai dizendo algumas verdades incómodas. Ou Ana Gomes, aparentemente a única socialista que sabe que a CIA voa.

E Almeida Santos, que, depois de um período de fulgor na primeira linha do combate político, entrou num ocaso de que saiu recentemente, ao receber o grau de doutor honoris causa em Coimbra. Porque, então, o velho e fogoso tribuno lembrou um direito de que por vezes nos esquecemos o direito ao pessimismo. E não pode deixar de ser-se pessimista quando há que reconhecer que, enganados pelo canto de sereia da globalização "sem regras imposta" pelos Estados Unidos, acabámos por contribuir para chegarmos a um ponto - ele o frisou - em que "nunca houve tantos pobres, tantos analfabetos e tantos desempregados".

Só agora ("mea culpa"...) descobri que temos em Portugal uma Rede Antipobreza, que se esforça por atenuar o drama de 20% da população, pobre para além do que seria tolerável. Isto num país em que, por outro lado, há quem seja rico, muito rico mesmo. Os bancos ganham 6,3 milhões de euros por dia - os quatro principais privados uma média de 263 mil por hora. As seguradoras obtiveram em 2005 lucros de 532 milhões. No Parlamento, o Bloco de Esquerda mostra uma grande fotografia de um gestor e uma minúscula fotografia de um trabalhador, para marcar a diferença entre o que um e o outro auferem - e o ministro das Finanças responde-lhe com o argumento de que o talento se paga.

Infelizmente, não temos, nós, a maioria esmagadora, o talento dos bancos, das seguradoras e dos gestores, privados e até públicos. Pelo que nos resta o direito à indignação - ou, pelo menos, e como propôs Almeida Santos, o direito ao pessimismo. Este, disse-se então, é "afinal uma forma de lutar por um Mundo melhor". Assim sendo, e dado que o pessimismo entre nós atinge níveis alarmantes, devemos estar no bom caminho para um Mundo melhor.