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2008/04/07

«Quem dera que o PS fosse social-democrata», diz Manuel Alegre

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Entrevista ao SOL
[Margarida Marante, SOL, 06-04-2008]

“Quando há maioria absoluta, tem de haver muito mais atenção aos valores da democracia, aos contrapoderes” afirmou Manuel Alegre em entrevista a Margarida Marante para o jornal Sol. O deputado considerou que “há uma certa tendência para confundir maioria absoluta com poder absoluto” e esclareceu em que medida não se revê no actual PS: “Sou de outra história, de outra memória. Do primado da política, do primado da ideologia. Hoje é a tecnocracia que predomina, o pragmatismo, a imagem.”

Em entrevista a Margarida Marante, o histórico dirigente do PS afirma que se revê mal neste partido simplesmente porque é ‘socialista’ e o PS deixou de o ser. Adianta, no entanto, que não tenciona fazer uma cisão: «Se tivesse de a fazer, já tinha feito». Porém, acrescenta: «Mas na vida nunca se sabe»

Por que não se revê neste PS?
Como diria o meu amigo Piteira Santos, porque sou socialista ou porque me considero socialista. Quando digo que não me revejo no PS é uma expressão muito carregada. Há coisas em que me revejo e outras em que não.

Não se revê em quê?
Sou de outra geração. Sou de outra história, de outra memória. Do primado da política, do primado da ideologia. Hoje é a tecnocracia que predomina, o pragmatismo, a imagem. Isto é feito por ciclos e acho que este ciclo também vai passar. Claro que me agradam algumas medidas, como a interrupção voluntária da gravidez, a Lei da Paridade, a procriação medicamente assistida, a proposta de Lei do Divórcio, e reconheço que era necessário reduzir o défice para garantir o Estado Social.

E na Educação?
Não é possível fazer reformas sem os professores ou contra os professores. A maneira como se encarou uma manifestação de 100 mil professores não tem de facto que ver com a minha formação política. A democracia não é só o voto, também é a participação das pessoas. É preciso ver e pensar. E o diálogo também é uma virtude da democracia.

Por que não constituiu uma corrente dentro do partido?
Eu constituí. Fiz uma reunião há pouco tempo, com gente de todos os distritos, incluindo Madeira e Açores, e criou-se uma corrente de opinião que se chama Opinião Socialista. Teve como ponto de partida aquele núcleo de socialistas que, em cada distrito, me apoiou na candidatura presidencial. Agora, pode abrir a outros militantes e simpatizantes e outras pessoas fora do partido que queiram pensar os problemas da democracia, do socialismo, da esquerda em geral.

É o primeiro a dizer que há uma nomenclatura neste momento no PS e que é muito difícil mudar um partido por dentro…
Em qualquer partido é muito difícil. Mas acho que a vida também ensina que a opinião pública tem importância. E se os partidos não aprendem com a vida, a vida, depois, também muda os partidos. E houve várias experiências: houve a minha candidatura, fui um candidato contra o candidato oficial do partido, e obtive um milhão e tal de votos que perfazem 21%, enquanto o candidato oficial do partido teve 14,1%. E depois houve as eleições intercalares de Lisboa em que duas candidaturas independentes se bateram com os partidos. Neste momento há muitos movimentos espontâneos de cidadãos.

O PS é hoje um partido social-democrata…
Isso é que era bom. Quem dera. A social-democracia é a matriz comum do socialismo e até do comunismo. O que eu duvido muito é que algumas medidas que estão ou estavam a ser aplicadas fossem sociais-democratas. O que acontece hoje é que, em consequência da globalização e das políticas do Fundo Monetário Internacional veiculadas pela OCDE, e adoptadas pela UE, vigoram soluções neoliberais, mesmo dentro da Europa. E, a pretexto da sustentabilidade dos serviços sociais, têm-se adoptado medidas que põem em causa a natureza dos serviços sociais.

Os líderes socialistas da Europa fazem exactamente o mesmo…
Pois, mas eu não estou de acordo. E grande parte de eleitorado também não. Por isso têm tido alguns dissabores.

O que é a Esquerda para si hoje?
A Esquerda é a busca da justiça, de mais igualdade, de qualidade da democracia. Eu acho que os direitos políticos são inseparáveis dos direitos sociais. Se não tiver trabalho, se não tiver pão, se tiver problemas para empregar os filhos ou uma pessoa no desemprego, não tem a mesma liberdade dos que estão bem.

Já pensou abrir uma cisão no PS?
Eu nunca gosto de dizer coisas definitivas, mas, se tivesse de fazer cisões, já as tinha feito noutras circunstâncias. Mas na vida nunca se sabe o que pode acontecer. Na perspectiva política, a tendência vira-se mais para uma lenta retirada do que propriamente para uma cisão.

Pensa já numa reforma política?
Está na altura de ter direito a isso. Não gosto nem de dizer que sim, nem de dizer que não, porque isso é sempre muito problemático em política. Dizer que não e depois voltar atrás…

Mas a sua vontade é a reforma, é o descanso?
Vou escrevendo livros, mas agora tenho muitos convites para ir ao estrangeiro, tenho um convite para ir ao Festival Internacional ( de Poesia ) de Berlim e para o Brasil. Portanto, gostava de usufruir mais desses convites.

Acha que há grandes diferenças actualmente entre o PS e o PSD?
O PSD está numa situação complicada, como todos os partidos na oposição, quando há uma maioria absoluta. Mas, se a alternância funciona, não subestimaria o PSD nem o líder do PSD. Os descontentamentos, a certa altura, viram-se para qualquer lado, por exemplo para a abstenção, porque os partidos deixam de corresponder às suas bases eleitorais e sociais. Ninguém ia dizer que eu teria aquele resultado que tive nas eleições. Estraguei a festa.

Qual a sua opinião sobre José Sócrates?
É um homem da sua geração. Tenho uma relação pessoal com ele, ao contrário do que as pessoas julgam. Agora, não temos as mesmas opiniões e, quando foi preciso confrontá-lo, confrontei-o, como foi o caso da co-incineração e das presidenciais. Eu digo a José Sócrates em privado o que digo em público. E ele também me diz. Quando as divergências são claramente assumidas, depois as relações são mais fáceis.

Acha que faria bem ao PS ter duas maiorias absolutas seguidas?
Não sou contra maiorias absolutas, porque isso faz parte da democracia, mas não tem dado grande resultado em Portugal. Talvez ainda não haja suficiente maturidade cívica. Quando há maioria absoluta, tem de haver muito mais atenção aos valores da democracia, aos contrapoderes. E há uma certa tendência para confundir maioria absoluta com poder absoluto. Na minha geração, nós, apesar de associados ao PS, falávamos não só do exercício do poder mas também de criar contrapoderes.