M!CporCoimbra

2008/03/27

Muita política e pouca economia na descida do IVA

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O maior mérito desta redução fiscal está na sua irrelevância económica

[Paulo Ferreira, Público.pt, 27-03-2008]

Por um momento, todos têm pelo menos uma parte da razão. Começa por tê-la o Governo, quando diz que com a descida do IVA "os portugueses vêem premiado o seu esforço"; tem o PSD, quando afirma que a decisão "não tem nenhum
impacto sério" na economia; tem o PCP, que se antecipou e fez esta mesma proposta para o Orçamento do Estado deste ano; têm o CDS-PP, o Bloco de Esquerda e a Deco, quando alertam para o risco de esta descida de IVA ficar nas empresas e não passar para os consumidores; tem Rocha de Matos ao afirmar que este é um "sinal de outras descidas de impostos"; têm razão os técnicos de contas para aplaudir a decisão, porque se há sector de actividade que sai a ganhar, é o dos consultores fiscais e contabilísticos que vão ajudar as empresas a fazer as adaptações necessárias; e tem a generalidade dos que ontem comentaram a medida anunciada por José Sócrates e Teixeira dos Santos, independentemente de a terem achado excessiva, tímida ou simplesmente irrelevante.

Pode parecer contraditório, mas a descida da taxa do IVA de 21 para 20 por cento a partir de Julho é tudo isso ao mesmo tempo.

Expliquemos. Baixar o IVA em um ponto percentual não terá um impacto económico visível. A generalidade dos preços dificilmente baixará - recordemos a recente baixa do IVA dos ginásios de 21 para 5 por cento e a forma como as empresas do sector aumentaram de forma indecorosa a sua margem de lucro; ou a descida do IVA da restauração de 17 para 12 por cento decidida por António Guterres e o modo como os preços finais não baixaram para os consumidores. Não sentindo poupanças, os consumidores não irão consumir mais. Não virá daqui, por isso, qualquer estímulo económico de que se dê conta.

Para produzir algum impacto económico - ficando o dinheiro nos bolsos dos consumidores ou nas caixas registadoras das empresas - uma redução de impostos tem que ter uma amplitude assinalável, coisa que esta manifestamente não tem.

Devia então o Governo ter isso mais longe? De forma alguma. A perda de cerca de 500 milhões de euros por ano de receitas fiscais já é, nos tempos que correm, um passo arriscado, mesmo depois de atingidos os 2,6 por cento de défice ontem anunciados. A "crise orçamental", entendida como situação de emergência das contas públicas, está certamente ultrapassada. Mas daqui até atingirmos uma situação orçamental consolidada e à prova de asneira ou de tentações eleitorais ou populistas ainda vai um grande passo. Por isso é que muitos economistas
têm alertado para o risco de uma descida de impostos precoce, que pode deitar a perder o esforço já pedido aos contribuintes, eternizando o problema.

Esta é uma medida que tem na sua irrelevância económica o maior mérito. A relativa prudência orçamental que lhe está implícita - Sócrates disse que seria "irresponsável e imprudente" repor o IVA nos 19 por cento em que o encontrou quando chegou ao Governo - só acontece porque não se caiu na tentação de promover um estímulo económico por via fiscal. Esta não é, por isso, uma medida de política fiscal ou de política económica. É antes uma medida de marketing político. É um "sinal aos portugueses", como ontem disse Teixeira dos Santos. Um sinal de que o Governo tem planeadas outras descidas de impostos nos próximos meses e que as fará se a trajectória de redução do défice continuar a correr melhor do que esperado, independentemente da maior ou menor consolidação das contas do Estado. E, sobretudo, o tal sinal que premeia o esforço feito nos últimos anos. Um esforço que foi pedido sobretudo aos contribuintes, que são os verdadeiros heróis da descida do défice. Entre aumentos de taxas de impostos e acções legítimas e ilegítimas da máquina fiscal para arrecadar mais receita, foi deles o maior esforço para se chegar ao défice de 2,6 por cento.

Ao contrário do que possa parecer, ontem estivemos a falar muito pouco de economia e quase tudo de táctica política. Não deixa de ser um prémio à mestria de Teixeira dos Santos, que se revelou uma autêntica bênção para Sócrates.