2006/12/31
Bom Ano Novo!!
Pela boca de Carlos Drummond de Andrade e Miguel Torga, a equipa do blogue, que se iniciou em fins de Maio e que hoje regista 5400 visitas, deseja a todos os membros e simpatizantes do MIC, bem como a todos os cidadãos e cidadãs, um 2007 cheio de energia participativa e resistência cívica. O que não é incompatível com esperança e alegria... FELIZ ANO NOVO!!
Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor de arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido ou talvez sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser,
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?).
Não precisa fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar de arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto da esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um ano-novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo de novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.
NÃO PASSARÃO - Miguel Torga
Não desesperes, Mãe!
O último triunfo é interdito
Aos heróis que o não são.
Lembra-te do teu grito:
Não passarão!
Não passarão!
Só mesmo se parasse o coração
Que te bate no peito.
Só mesmo se pudesse haver sentido
Entre o sangue vertido
E o sonho desfeito.
Só mesmo se a raiz bebesse em lodo
De traição e de crime.
Só mesmo se não fosse o mundo todo
Que na tua tragédia se redime.
Não passarão!
Arde a seara, mas dum simples grão
Nasce o trigal de novo.
Morrem filhos e filhas da nação,
Não morre um povo!
Não passarão!
Seja qual for a fúria da agressão,
As forças que te querem jugular
Não poderão passar
Sobre a dor infinita desse não
Que a terra inteira ouviu
E repetiu:
Não passarão!
2006/12/17
O Referendo sobre a IVG: um apelo à participação
Elísio Estanque
(http://boasociedade.blogspot
Sociólogo - Centro de Estudos Sociais
MIC - Movimento de Intervenção e Cidadania
Estamos em campanha para mais um referendo em que se vai decidir sobre se a interrupção voluntária da gravidez (IVG) deve continuar a ser crime ou se deve passar a ser legal até às 10 semanas de gestação. Um estudo divulgado recentemente prevê a existência de mais de 350 mil mulheres portuguesas que já praticaram aborto. Estima-se que se praticam por ano cerca de 20 mil abortos clandestinos em Portugal. Muitas mulheres portuguesas com mais posses económicas deslocam-se a Espanha a fim de poderem ter a devida assistência clínica no país vizinho, onde a IVG é legal, pois Portugal faz ainda parte do escasso número de países europeus onde o problema está por resolver. O aborto clandestino, além de colocar perante riscos acrescidos, por falta assistência adequada, os milhares de mulheres que a ele são forçadas a recorrer por variadíssimas razões, é um negócio chorudo para as “clínicas” clandestinas onde o aborto continua a ser praticado em condições precárias e sem qualquer segurança para quem o pratica.
Este problema tornou-se um autêntico flagelo e um atentado à saúde pública. É preciso encará-lo e resolve-lo. Mas, independentemente do resultado do referendo do próximo dia 11 de Fevereiro, não se sabe se o mesmo conseguirá obter a percentagem mínima de participação dos eleitores para que o mesmo seja vinculativo. É por isso fundamental a mais ampla participação neste acto eleitoral já que se trata de um assunto público e não privado. E convém recordar àqueles que acham que esta é uma questão do foro íntimo que isso só será verdade após a descriminalização da IVG.
A importância da participação dos jovens é particularmente decisiva, desde logo porque as situações de gravidez indesejada são elevadas entre a juventude, sendo o aborto a primeira causa de morte entre as mulheres jovens e adolescentes. Para além disso, são os e as jovens de hoje que mais podem beneficiar de uma legislação que ponha fim ao flagelo do aborto clandestino e à situação vergonhosa de mulheres perseguidas ou condenadas como criminosas. Por outro lado, o abstencionismo entre os jovens onde é suposto haver uma maior informação sobre a sexualidade e uma maior sensibilidade quanto à dimensão social deste problema irá favorecer a influência dos sectores mais conservadores da Igreja católica, que se faz sentir sobretudo entre as camadas mais idosas. Apesar das posições públicas no sentido de se assumir que esta é uma questão social e política e não do foro religioso, é sabido que o moralismo conservador dessas correntes possuem um impacto alargado na sociedade portuguesa.
Independentemente da orientação de cada um a este respeito, uma ampla participação é fundamental, além do mais porque é um direito e um dever de cidadania o envolvimento de todos nesta matéria. Acresce que a própria formulação da pergunta do referendo contém, a meu ver, um erro crasso quando refere que a IGV é uma opção por “exclusiva vontade da mulher”, o que tenderá a incentivar a indiferença dos homens. Isso é errado e perigoso, desde logo pela razão óbvia que a mulher não fica grávida sozinha. A ideia induzida pela pergunta vai no sentido da desresponsabilização do homem. Mas, como se sabe, é muitas vezes o parceiro masculino quem mais contribui para a prática do aborto quando se recusa a assumir a paternidade e os subsequentes deveres e obrigações que isso implica. Por isso é fundamental que a juventude, as mulheres e os homens, participem em massa neste referendo.
Qualquer que venha a ser o resultado do referendo, o flagelo do aborto combate-se principalmente com mais educação sexual, mais informação e mais medidas preventivas que evitem a gravidez indesejada. Assim, a questão que deve ser colocada antes de nos pronunciarmos no referendo não é a de nos perguntarmos se somos a favor ou contra a prática do aborto. Trata-se sempre de uma situação dolorosa e geralmente traumática para a mulher. Nesse sentido, todos somos contra. Por isso, a pergunta que cada um deve colocar é a de saber se queremos manter uma situação de facto a todos os títulos socialmente deplorável ou se é chegado o momento de Portugal se juntar aos países mais modernos e avançados nesta matéria, despenalizando a IVG.
2006/12/06
Referendo e Cidadania
Sabemos que é um tema incómodo e doloroso, sobre o qual muitos preferem não se pronunciar. Mas o que é incómodo e difícil não deixa de ser um dever cívico.
Manuel Alegre tem, sobre a matéria, como muitos outros dirigentes do MIC, uma posição clara: é a favor da despenalização, ou seja, do sim no referendo, por considerar que se trata de uma questão grave de saúde publica. Isso não significa que neste sítio não venha a ser dado espaço a quem queira defender o não, desde que o faça com civismo e sem insultar ninguém.
O tema do aborto não faz parte das causas do nosso estatuto. Nele incluem-se, contudo, a luta pela igualdade de género e a defesa de todas as formas de participação e aprofundamento da democracia. É à luz desses princípios que iremos abrir o debate, sem prejuízo de virmos a solicitar ao órgão de direcção estratégica do MIC (o Conselho Geral, que reúne a 27 de Janeiro) que se pronuncie, tendo em conta o debate que ocorrer aqui e no país. Até lá, cada um de nós defenderá, com convicção e a título individual, as suas posições, consciente da nossa unidade no essencial: contribuir para levar às urnas o maior número possível de cidadãos, independentemente do sentido do seu voto.