M!CporCoimbra

2007/08/26

No Público, hoje ...

domingo, 26 de Agosto de 2007
Ai simplex!

Há momentos em que nos damos conta de que o Simplex, essa excelente
e meritória iniciativa concebida por Maria Manuel Leitão Marques, está a
funcionar, mas há outras em que choramos pela sua ausência, na expectativa
de que um dia, não demasiado longínquo para a nossa esperança de vida, chegue.
Dei-me conta disso ao acompanhar e mesmo participar no processo de
legalização em Portugal de alguém que trabalha em minha casa há já algum
tempo, e que, pelas suas capacidades profissionais, e sobretudo pelas suas
qualidades humanas (como pude comprovar em período recente da minha
existência) é pessoa de quem é fácil gostarmos: a brasileira
Maria Nágila Bezerra, pessoa de permanente bom humor, que ri mesmo
quando conta as mais terríveis tropelias a que possa ter sido sujeita.
Sucede que há algumas semanas atrás começou a não aparecer ou a chegar
mais tarde.
Não se tratava, como vim a saber, de deambulações existenciais por
montes e vales, nem mesmo de acessos místicos, mas antes de razões
infelizmente mais prosaicas: ia ao SEF.
Rapidamente descobri que se tratava do Serviço de Estrangeiros e
Fronteiras.
E pude compreender que o modo de funcionamento desta instituição
nem sempre teria aquela perfeição que nós desejaríamos para um serviço
público em área tão sensível como esta. Comprova-se que, se por vezes
encontramosfuncionários amáveis e colaborantes,
desejosos de nos facilitar a vida, outras há em que nos confrontamos com
pessoas stressadas e amarguradas pelo amarelo das paredes e os dramas
conjugais para os quais quase nunca contribuímos mas de que pagamos
as implacáveis consequências.
Para ir ao SEF, a Nágila levantava-se antes de o Sol nascer para se deslocar
de Alverca até Lisboa, onde, às portas do SEF, se organizava uma fila imensa
de pessoas que esperavam cinco e seis horas para serem atendidas.
E quem as atendia? Gente zangada com a vida que parecia ter uma especial
volúpia em criar dificuldades: incapazes de explicarem tudo o que as pessoas
precisavam de levar, incapazes de perceberem que as pessoas que atendiam
tinham certas limitações na compreensão dos mecanismos burocráticos
portugueses, descobriam sempre mais papéis que faltavam, o que obrigava
a recomeçar tão exaltante peregrinação.
Tenho à minha frente o papel que acabou, ao cabo de porfiados esforços,
por lhe ser dado e que, num português em que "há menos" se escreve "à menos",
se intitula"Renovação de Autorização de Permanência Temporária para Trabalho subordinado", esclarecendo-se, para consolo das nossas almas, que é ao abrigo
do art. 217, n.º 1, da Lei 23/207 de 04 de Julho.
Que é preciso? Um passaporte válido, um comprovativo das condições de
alojamento (contrato ou atestado da Junta de Freguesia), declaração do IRS
e cópia da nota de liquidação relativa ao ano fiscal anterior, contrato de
trabalho e declaração actualizada da entidade patronal a atestar o vínculo
laboral, declaração da Segurança Social regularizada a confirmar os descontos
efectuados, requerimento em impresso de modelo próprio (www.sef.pt)
e duas fotografias.
Com todas estas tarefas, por sucessivos dias, a Nágila deixou de aparecer.
Andava por Alverca e Lisboa à procura de papéis - belo ideal de vida.
Única vantagem: aprimorei a minha capacidade de fazer camas.
E vou melhorando noutras tarefas domésticas.

2007/08/25

Faleceu Eduardo Prado Coelho, intelectual público


25.08.2007 - 11h30 José Manuel Fernandes ( Público on-line, Última Hora )

Faleceu hoje de manhã, na sua residência, vítima de doença súbita, Eduardo Prado Coelho. Tinha 63 anos. Professor, ensaísta e escritor, Eduardo Prado Coelho era colaborador do PÚBLICO desde o primeiro número, tendo mantido nos últimos dez anos uma coluna de segunda a sexta-feira, O Fio do Horizonte. O corpo de Eduardo Prado Coelho estará no Palácio Galveias hoje a partir das 17h30, de onde seguirá amanhã para o cemitério dos Prazeres, pelas 11h00.

Crítico literário e polemista, era presença assídua no espaço público onde se envolvia de forma activa nos debates culturais e políticos. Intelectual público, envolveu-se várias vezes em campanhas políticas.

Nasceu em Lisboa, a 29 de Março de 1944, e seguiu os caminhos do pai, o catedrático Jacinto do Prado Coelho, tendo-se licenciado em Filologia Românica na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Em 1983 doutorar-se-ia na mesma escola, onde já era assistente, com uma tese sobre A Noção de Paradigma nos Estudos Literários.

A sua carreira académica prosseguiu, em 1984, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, onde chegou a professor associado no Departamento de Ciências da Comunicação. Pelo meio fixou uma passagem pelo Departamento de Estudos Ibéricos da Sorbonne, para onde foi ensinar em 1988.

Autor prolífico, deixa uma vasta bibliografia universitária e ensaística, onde se destacam um longo estudo de teoria literária, Os Universos da Crítica: Paradigmas nos Estudos Literários, 1983, vários livros de ensaios, O Reino Flutuante, 1972, A palavra sobre a palavra, 1972, A letra litoral, 1978, Vinte Anos de Cinema Português (1962-1982), 1983, A mecânica dos fluidos, 1984, A noite do mundo, 1988, dois volumes de um diário, Tudo o que não escrevi, 1992, obra que lhe granjeou o Grande Prémio de Literatura Autobiográfica da Associação Portuguesa de Escritores, O cálculo das Sombras, 1997, Situações de Infinito, 2004. Tem ainda um volume de Obra Poética.

As suas crónicas no PÚBLICO mereceram, em 2004, o Grande Prémio de Crónica João Carreira Bom, estando muitas delas reunidas em Crónicas no Fio do Horizonte, das Edições Asa

Desempenhou vários cargos públicos, tendo sido director-geral de Acção Cultural no Ministério da Cultura em 1975/76, um departamento criado após a Revolução de 25 de Abril de 1974. Mais tarde, entre 1989 e 1998, foi conselheiro-cultural na Embaixada de Portugal em Paris e, em 1997, director do Instituto Camões na mesma cidade. Foi Comissário para a Literatura e o Teatro da Europália Portuguesa, em 1990, e colaborou na área de colóquios na Lisboa Capital Europeia da Cultura 94. Foi ainda o comissário da participação portuguesa no Salon du Livre /2000, ano em que Portugal foi o país-tema da grande feira literária de Paris.

Entre as suas obras mais recentes, refiram-se os seus Diálogos sobre a fé, uma troca de cartas com o Cardeal Patriarca D. José Policarpo, Dia Por Ama (textos sobre o amor, escritos em parceria com Ana Calhau, apresentando as perspectivas feminina e masculina sobre o tema e complementado com fotografias também de Ana Calhau), Razão do Azul, 2004, sendo Nacional e Transmissível, 2006 o seu último livro editado, onde escreveu sobre objectos, comportamentos, locais emblemáticos ou características que formam o que poderíamos chamar a idiossincrasia portuguesa.

Deixou ontem, ao fim da tarde, na caixa de correio do PÚBLICO a sua última crónica: AiSimplex! Será publicada na edição do jornal de amanhã, domingo.

2007/08/24

Micro Causa: Por um sentido único nas ruas Ferreira Borges e Visconde da Luz durante o período de cargas e descargas.

Leia e assine a petição no blog Sopa de Pedra

2007/08/15

TORGA: ESQUECIDO E PRESENTE


Baptista-Bastos,escritor e jornalista
b.bastos@netcabo.pt
Ainda bem que o Governo esteve ausente nas homenagens a Miguel Torga. O Governo não tem nada a ver com Torga. E, se pouco tem a ver connosco, nada tem a ver com a cultura. O Governo desconhece que a cultura é um dos interesses da política e que a política é uma disciplina da cultura. Embora ajam em esferas diferentes. Um político inculto possui algo de deformado. E um homem culto que se diz indiferente à política revela amolgadelas de carácter: mente porque, em rigor, defende pareceres desonrados. O Governo não se lê porque não lê. Para actuar em consonância com a ética da cultura seria necessário que pensasse culturalmente.

Não dei conta de nenhuma manifestação de desagrado, por módica que fosse, daqueles destemidos intelectuais, apoiantes discretos ou descarados deste Executivo. Aguardam benesses e sinecuras, atenções. Há ministros e adjacências que, habitualmente, fazem parte de júris de prémios, e para atribuição de "bolsas"; são "comissários" de feiras e de "embaixadas" culturais; designam adidos; decidem sobre quem vai ou não, aqui e acolá, representar a "cultura" portuguesa; os escolhidos pertencem sempre ao mesmo grupo, dispõem de idêntico sainete, cortejam iguais gostos, nomeiam os mesmos autores. Nada de correr riscos desnecessários.

Os destemidos intelectuais são brandos, cuidadosos, cautos, prevenidos. Também eles nada têm a ver com Miguel Torga, que nada teria a ver com eles. São paixões em tudo opostas, desordens do espírito só explicáveis pela natureza abúlica de uma gente que embaça e desacredita, moralmente, os testamentos herdados.

Observamos os nomes destes cúmplices no silêncio e certificamos que traíram os antecedentes, sem os substituir ou sequer lhes suceder. Os contemporâneos de Torga eram: Aquilino, Tomaz de Figueiredo, Jorge de Sena, Nemésio, Pessoa, Pascoaes, Miguéis, Almada, Raul Brandão, João de Araújo Correia, Ferreira de Castro, Régio, Casais Monteiro, Gaspar Simões, Branquinho da Fonseca, Domingos Monteiro, José Gomes Ferreira, Armindo Rodrigues, Eugénio de Andrade, Sophia, Redol, Carlos de Oliveira, Manuel da Fonseca, Irene Lisboa, Maria Judite de Carvalho, Abelaira, Mário Dionísio, Namora, José Cardoso Pires. Foram estes que, em diversos momentos, reafirmaram o perfil da pátria medular e cívica.

Em meados dos anos de 60, Jorge Amado, de visita a Portugal, encontrou-se com Ferreira de Castro, amigo de sempre. A RTP quis fixar o momento. Com altiva dignidade, Castro apostrofou: "A televisão, que ignorou Mestre Aquilino, não me filma, certamente, porque a proíbo!"

Esta gente era a minha e a nossa gente.

(Hoje, no DN)

2007/08/12

Inauguração do monumento comemorativo do centenário de nascimento de Miguel Torga


Intervenção de Manuel Alegre

Não sei se quando Torga se debruçava sobre o Mondego olhava apenas as suas águas. Talvez se debruçasse sobre os grandes rios do Mundo e os outros, mais obscuros e profundos, da sua imaginação. Ou talvez se debruçasse sobre si mesmo, sobre as perguntas que constante e dolorosamente se fazia e constituem o cerne da sua escrita.

Creio, aliás, que era assim que ele entendia a literatura: uma arte de perguntar, mesmo que não se encontre a resposta. O que o levaria a confessar: “Chego ao fim perplexo diante do meu próprio enigma.”
Este monumento é, de certo modo, uma metáfora da obra de Torga. Assim como Agarez / S. Martinho é um local mítico, “o local sem paredes”, que a poeta definia como sendo o universal, também a janela do consultório na Portagem é, ao fim e ao cabo, uma janela de Coimbra para Portugal e para o Mundo, o seu e nosso Portugal, o seu e nosso Mundo. Porque o eu de Torga – e poucos poetas foram tão fundo dentro de si mesmos – sendo um eu singular e único é, ao mesmo tempo, um eu que somos nós. Nem foi por acaso que ele escreveu: “Portugal. Foi a procurar entendê-lo que compreendi alguma coisa de mim.”
Sim, creio que Miguel Torga, olhando as águas do Mondego, ouvia o rumor dos rios subterrâneos que corriam dentro de si, os rios secretos que trazem o mistério, a magia, as metáforas, os duendes, os anjos e as musas da poesia. Ou talvez ouvisse a música de Sôbolos rios que vão, o incomparável poema de Camões. Ouvia com certeza os rios das vogais e consoantes da língua portuguesa que, segundo ele, “é uma língua dúctil, maleável, de virtualidades infindas”, que em todas as latitudes e longitudes se dá bem. Ouvia o bater da terra e o ritmo do mar e o apelo das suas raízes sem fronteiras. “Sou um português hispânico. Nasci numa aldeia trasmontana, mas respiro o ar peninsular. Cioso da minha pátria cívica, da sua independência, da sua História, da sua singularidade cultural…” Sentia-se bem a pisar terra espanhola e, segundo Pilar Vasquez Cuesta, foi “provavelmente o escritor português que mais se preocupou com o anguloso e difícil perfil espiritual de Espanha.” Torga era um português que segundo o seu próprio dizer gostava de se sentir galego, castelhano, andaluz, catalão, asturiano ou vasconso, “nas horas complementares do instinto e da mente.” Mas foi também ele que desabafou: “Meu pobre Portugal, a resistir há oitocentos anos às seduções de uma Espanha irresistível. Enfrentar tal sereia, sem cair na tentação de lhe cair nos braços, é realmente façanha digna de respeito e de enternecimento.” Palavras que é importante sublinhar nesta hora em que há quem vaticine a dissolução desta Nação de tantos séculos. Torga sabia quem era e ensinou-nos e “nunca descrer / do chão duro e ruim.” “Todos os Alcácer-Quibir e todas as Aljubarrotas estão em mim. Descobri mundos e ando repartido por eles. Tenho oitocentos anos de idade e pareço uma criança.”
Sentado no seu consultório do Largo da Portagem, Torga era um cidadão do mundo. Viajava pela história do passado, anotava a do presente e às vezes adivinhava a do futuro. Cidadão do mundo, contemporâneo do seu tempo e também do tempo ainda por vir. Mas não um falso cosmopolita parolo e novo-rico.
Seria, aliás, em Coimbra, no primeiro comício aqui realizado pelo Partido Socialista, em que tomou a palavra como independente, que Miguel Torga deixaria clara a sua posição contra o velho provincianismo mental de copiar modas alheias. “Cada nação tem um rosto inconfundível. A nossa, felizmente, não foge à regra. É precisamente ao povo que pertence a glória de, contra tudo e contra todos, lhe ter mantido intactos, através dos tempos, os traços significativos. Teria perdido qualquer ressonância em nós a obra de Fernão Lopes, de Gil Vicente e de Camões, se eles não fossem arautos inspirados dessa rude tenacidade que resistiu triunfantemente à secular acção corrosiva de senhores, inquisidores e mercadores.”
O quotidiano de Miguel Torga faz parte dos itinerários e da vida da cidade de Coimbra. Um quotidiano que, pela grandeza do poeta, se foi pouco a pouco transformando em lenda. O eléctrico de Celas onde pela primeira vez o vi, mais tarde o trolley, os passeios pela Avenida Dias da Silva com Clara, ainda pequenita, pela mão, a sua alta silhueta pela Rua Ferreira Borges, a passagem pela Brasileira e pelas livrarias, as idas à farmácia para um breve conversa com João Fernandes, as caminhadas pelo Parque, os encontros com Fernando Valle, a obsessiva revisão de provas para exasperação do Padre Valentim, as caçadas às narcejas, às galinholas, aos patos e às codornizes nos campos do Mondego, o ritual aparecimento à janela do consultório em dia de cortejo da Queima das Fitas, a presença, acompanhado pela Dr.ª Andrée, em certas sessões de cinema ou de teatro, no Avenida, enfim, a sua íntima vivência da cidade dia a dia anotada no Diário, a par dos pequenos e grandes acontecimentos do país e do mundo.
Em Coimbra pertenceu à revista Presença e dela foi dissidente. Conviveu ou correspondeu-se com as grandes figuras literárias do século XX, como, entre outros, Fernando Pessoa, Afonso Duarte, Eugénio de Andrade, Sophia de Mello Breyner. Mas nunca foi um alinhado. Foi sempre ele próprio, Orfeu rebelde, insubmisso e intransigente perante todas as formas de arregimentação.

“Temos nas nossas mãos
O terrível poder de recusar.”

Esse foi o seu poder. O de recusar a tirania, a mentira, os compadrios e a facilidade. Sendo moderno, Torga é muito antigo. Mas está aquém e além da questão suscitada recentemente por Eduardo Lourenço sobre se não entrou ou não quis entrar na modernidade ou se entrou, como dizia Ortega de Unamuno, às arrecuas. Torga está aquém e além desse tipo de especulação pela razão simples de que é um clássico. E foi assim que ele entrou, de frente, na história da literatura. Não o venceram em vida e não o vencerão depois da morte. Ele é e será sempre uma referência de Portugal, da literatura e da liberdade.

Miguel Torga teria por certo gostado que este local ficasse assim assinalado. Parabéns à Câmara e aos autores. É mais um “local sem paredes”, um símbolo da sua Coimbra e da dimensão universal da sua obra tão inigualavelmente portuguesa.

Foz do Arelho. Agosto de 2007

2007/08/07

Presidente do Instituto da Droga assina manifesto contra o governo

[Ana Sá Lopes, Diário de Noticias, 06-08-2007] |
João Goulão , presidente do Instituto da Droga e da Toxicodependência, é militante do PCP e assinou um texto posto a circular pelo seu partido, onde se denuncia "crescentes limitações aos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos" e também "a destruição de serviços públicos e do carácter universal do direito à saúde".

Segundo o texto, que está na primeira página do "Avante!", o "exercício pleno" dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos encontra-se "cada vez mais vigiado e condicionado, quer nas muitas formas de organização e intervenção política e social, quer no acesso à informação, à cultura e à liberdade de expressão".

Contactado pelo DN, o presidente do Instituto da Droga e da Toxicodependência afirma que não tem receio de ser "despedido". "Não, não tenho esse receio. Acho que o abai- xo-assinado é muito pela positiva, em defesa das liberdades, e a ideia surgiu num momento de ressurgimento dos partidos nacionalistas em Portugal [quando o PNR afixou o cartaz no Marquês de Pombal]". Segundo o presidente do Instituto da Droga, o abaixo-assinado "é muito mais pela defesa da democracia do que contra alguma coisa, nomeadamente contra a política do Governo".

Interrogado sobre em que circunstâncias considera registarem-se "crescentes limitações aos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos", João Goulão afirma não querer "entrar em grandes polémicas", dispensando-se de fazer "afirmações muito contundentes contra o Governo".

"Nunca escamoteei as opções políticas que tenho, nem a filiação partidária", disse João Goulão ao DN. Sendo, provavelmente, o único presidente de instituto público militante comunista, João Goulão afirma que "a questão sempre foi clara".

"No que diz respeito à política da área em que me movo [a Saúde], estou em perfeita consonância com o Governo", afirma o presidente do Instituto da Droga. Só que, além do exercício de cidadania "cada vez mais vigiado e condicionado", o abaixo-assinado manifesta-se também contra "a destruição dos serviços públicos e do carácter universal do direito à saúde, ao ensino e à segurança social", atingindo também, naturalmente, as políticas de Correia de Campos, de quem João Goulão depende e com quem afirma "estar em perfeita consonância".

Além de Jerónimo de Sousa, secretário-geral do PCP, e de João Goulão, entre os primeiros 50 signatários estão José Saramago, Siza Vieira, Jorge Palma, Carvalho da Silva, Carlos do Carmo, António Borges Coelho, Abílio Fernandes, António Avelãs Nunes, Modesto Navarro, o encenador Hélder Costa, Mário Cláudio, Miguel Urbano Rodrigues, Óscar Lopes, Nuno Grande, Irene Cruz, Aurélio Santos, Joaquim Benite, entre outros.

2007/08/01

DISCURSO SOBRE O MEDO




Numa maçadora entrevista à SIC, o nosso querido primeiro-ministro tentou minimizar e, até, desacreditar o artigo de Manuel Alegre, no Público, no qual criticava o autoritarismo e o medo ressurgentes. Sócrates repetiu o já por nós sabido. E os entrevistadores, apesar da agressividade sorridente, apenas expuseram a modéstia dos pessoais recursos. Sócrates não possui o talento das suas farsas e começa a ser deprimente a grosseria das respostas. O homem dissimula, com o enfatuado das frases, o facto de que não dispõe de ideias de seu.

A verdade é que o discurso sobre o medo, de Manuel Alegre, propiciava uma discussão, pelo menos curiosa, dos nossos comportamentos. A indiferença aborrecida com que o primeiro-ministro empalmou a questão, e o silêncio sem condolências com que os entrevistadores o admitiram, chegaram para se entender da inutilidade do insólito encontro a três.

O PS não quer discutir coisa alguma. É um partido entregue a tabeliães, com mistura de tecnocracia de segunda ordem. Além, claro!, da ausência total e absoluta de ideologia e de convicções. Quando Sócrates afirma, sem pudor, que as acusações de Alegre sobre o medo na sociedade e no PS constituem "um clássico", a deselegância extravasa os limites do suportável. O secretário-geral não quer debater o assunto. É um direito que lhe assiste. Porém, comete uma espécie de assassínio de carácter, de que, a esmo e amiúde, lamenta ser alvo.

Está à vista desarmada que a sociedade portuguesa vive numa atmosfera de temor, caucionada pelo desemprego, pelo trabalho precário, pelo custo da vida, pelo incentivo à delação, pelo desprezo com que se trata os nossos velhos, pela recusa da esperança, pelo sombrio horizonte do futuro, pelo ataque indiscriminado ao Serviço Nacional de Saúde, pelas obscenas desigualdades sociais não só traduzidas no desespero e na angústia quotidianas como pelas afrontosas reformas auferidas por "gestores" públicos - e mesmo privados. O medo cobre as situações que acabo de evocar. E esta "cultura" do PS não provém de linguagens intraduzíveis umas das outras: resulta de um conflito generalizado, aberto ou latente, mais ou menos violento nascido na década de 80, com o "cavaquismo".

O artigo de Manuel Alegre falava da necessidade de uma visão social que rejeite as humanidades separadas. Essa civilização do universal, de que tem sido paladino, apela no sentido dos valores e dos territórios transculturais. Não creio que José Sócrates tenha conhecimentos suficientes para entender o que, depreciativamente, designa de um "clássico" periódico. Não é tão-só problema dele. É a nossa tragédia

( Hoje, no DN , por Baptista Bastos)