M!CporCoimbra

2008/12/29

Obama - As palavras inspiram

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Manuel Alegre, revista " Domingo", Correio da Manhã, 28/12/08

Eu vinha no Vera Cruz, de regresso de Angola, em Novembro de 1963, quando, em pleno mar, chegou a notícia do assassinato do Presidente Kennedy. Pertenço a essa geração: a que foi contemporânea da morte de John Fitzgerald Kennedy, e uns tempos depois, de seu irmão Robert, então candidato à presidência, um e outro odiados pelos segregacionistas. A geração que teve como referência a história de Rosa Parks, a senhora negra que se recusou a ceder lugar a um branco num autocarro em Montgomery. Foi o inicio dum grande movimento contra a segregação, liderado, entre outros, por Martin Luther King Júnior, cujo discurso, “Eu tenho um Sonho”, se tornaria uma das inspirações das nossas vidas e um marco na luta pelos direitos civis. Em 4 de Abril de 1968 Luther King seria assassinado num hotel em Memphis.

No exílio, em Argel, conheci Eldridge Kleawer, um dos líderes do Black Power. E também Carmichael, que após mais uma das suas múltiplas prisões, diria, em 1966: “Há seis anos que gritamos liberdade. Agora vamos começar a dizer Poder Negro”. Nos Jogos Olímpicos de 1968, no México, na cerimónia do pódio dos 200 metros os atletas John Carlos e Tommy Smith, enquanto a bandeira americana subia no mastro, baixaram a cabeça e ergueram os punhos, protestando contra a descriminação racial no seu país. Seriam desclassificados, mas o gesto ficou como um símbolo.
Sim, eu vi, eu pertenço a essa geração e nunca pensei que o sonho de Martin Luther King pudesse tornar-se realidade 40 anos depois, quando um Afro-Americano chamado Barak Obama começou a mudar a América com uma simples frase “ Yes, we can”. Por isso, no dia da sua eleição, apeteceu-me dizer: todos somos americanos. Precisamente o que Jean-Marie Colombani tinha escrito no seu famoso editorial publicado no jornal francês, Le Monde logo após o atentado contra as Torres Gémeas em Nova Iorque. Sublinhou ele então que o massacre de inocentes, causado pela loucura, mesmo com o pretexto do desespero, nunca é uma força que possa regenerar o Mundo. Todos sabemos o que se seguiu e como foi desbaratado, pela Administração Bush, o gigantesco capital de boa-vontade que havia na maior parte do Mundo para com o povo americano.

A insensatez, o desespero, a violência e sobretudo a mentira viraram-se contra a própria América. As armas de destruição maciça que não existiam – e que serviram para justificar uma guerra ilegal e inútil, que causou a morte de centenas de milhares de iraquianos –, a tortura em Abu Ghraib, Guantanamo e nas prisões secretas de “países amigos”, provocaram sérios danos na imagem da América. Ao mesmo tempo que estes princípios fundamentais eram sacrificados – em nome de uma segurança e vitórias militares de sustentabilidade duvidosa a longo prazo –, sobejava a crença, quase religiosa, na infalibilidade dos mercados financeiros.
Também aqui os resultados estão à vista. A grave crise financeira e económica e financeira que vivemos tem o seu epicentro nos EUA e na falta de regulação, que deixou à solta a ganância de banqueiros e prestigiadas instituições financeiras. Todos estamos a pagar essa factura e, em Portugal, infelizmente não fugimos à regra: socializar as perdas e manter os lucros privados.

A vitória de Barack Obama beneficiou, em boa medida, do caminho aberto pela campanha de Howard Dean (candidato democrata derrotado nas primárias das eleições anteriores). Refiro-me à vaga de esperança em torno dessa candidatura e sobretudo aos moldes em que foi conduzida a campanha: o empenho de um grande número de jovens voluntários e de pessoas que se haviam afastado da política e dos partidos, o recurso à nova arma da Internet, tanto na disseminação da mensagem como, sobretudo, na angariação de fundos.
Alguns dos ensinamentos da candidatura de Dean foram aplicados na minha própria campanha presidencial. A generosidade dos voluntários, o recurso à internet, aos blogues, aos sms, ajudaram a suprir as carências financeiras e a ausência de qualquer máquina partidária.

A eleição de Obama é a vitória da América sobre si mesma. Significa que o sonho americano está tão vivo e tão forte que é capaz de derrotar um dos mais fundos preconceitos que ainda hoje afecta as nossas sociedades: o racismo. A vitalidade da democracia americana é uma lição que nos interpela. Também entre nós há racismo. Também entre nós as minorias imigrantes estão longe de ser politicamente representados.

Possivelmente Obama não teria ganho sem a crise que se vive na América. A verdade é que os níveis de desigualdade social criados pelas receitas neo-liberais não eram sustentáveis. Basta dizer que as diferenças de rendimento nos EUA voltaram a ser comparáveis ao período que antecedeu a Grande Depressão. Porém hoje vivemos num mundo globalizado, em que os EUA ocupam uma posição dominante, e daí a exportação, à escala global, desse modelo de injustiça e desigualdade.

Para responder a esta crise torna-se necessário buscar inspiração no exemplo daquele que foi porventura o maior dos presidentes dos EUA: Franklin Delano Roosevelt. As suas respostas políticas (fiscalidade redistributiva, reforço dos sindicatos, elevação do nível geral dos salários, intervenção do Estado em sectores-chave da economia, como as obras públicas) voltam a ser da maior actualidade, e apontam o caminho para a construção de uma sociedade em que haja porventura menos bilionários, mas certamente mais prosperidade partilhada e coesão social.

Os profissionais do cinismo apressaram-se a levantar dúvidas sobre a possibilidade de Obama estar à altura das expectativas. Uma coisa é certa: a sua vitória constituiu, em si mesma, uma gigantesca mudança cultural e cívica. Não é por acaso que em todas as línguas se procura agora uma expressão equivalente àquela que fez renascer a esperança: “Yes, we can”. E também não foi por acaso que Obama respondeu a quem o acusava de ser apenas retórico: “As palavras inspiram”.

Manuel Alegre

2008/12/26

Em defesa do público nos serviços públicos

Mesa do painel "Economia" do Fórum de 14 de Dezembro divulga resultados: "Estes debates foram o primeiro passo"

Jorge Bateira, José Castro Caldas, Alexandre Azevedo Pinto, José Reis e João Rodrigues,
economistas e André Freire, politólogo / Público, 24.12.2008

Participámos no painel sobre economia do encontro Democracia e Serviços Públicos. O debate tornou claro que o pluralismo das esquerdas não tem de ser sinónimo de falta de diálogo e de cooperação. Este encontro demonstra que há muita gente (nos partidos de esquerda e independentes) que entende que a excepção portuguesa da incomunicabilidade e da ausência de cooperação entre as esquerdas não é um problema insuperável. As convergências fazem-se com
diálogo aberto sobre os pontos de concórdia e discórdia.
Entre as esquerdas, o pluralismo é positivo e enriquecedor, desde que sem sectarismos.
Mais: muitos como nós pensam que a resposta política para boa parte dos problemas com que hoje o nosso país está confrontado passa por entendimentos entre as diferentes correntes da esquerda.
No âmago da divisão entre esquerda e direita está a valorização da igualdade das condições e oportunidades de vida. Isto não significa que todas as direitas sejam necessariamente inigualitárias. Mas há uma direita para quem a única igualdade seria a igualdade perante a lei que, rejeitando a acção política para promover a igualização das condições e oportunidades de vida, prefere confiar fundamentalmente no mercado. As esquerdas, pelo contrário, olham para o Estado como um instrumento crucial da promoção da igualização das condições e das oportunidades de vida.
Não se trata de defender o predomínio do Estado sobre os indivíduos. Do que se trata é de defender um papel fundamental para o Estado na área dos serviços públicos (saúde, educação e segurança social) e também em sectores estratégicos da economia, nomeadamente nos chamados "monopólios naturais".
Não se trata apenas de melhor servir o desiderato da igualdade. O que está em causa é também um modelo de desenvolvimento: o investimento privado é uma componente central da economia, devendo ser fortemente apoiado nos sectores que produzem bens e serviços transaccionáveis, não apoiado nos sectores protegidos da concorrência internacional e indesejável nos serviços públicos e nos monopólios naturais.
No processo de privatização da provisão de serviços públicos, o Estado transforma-se no que já foi designado de "Estado Predador" - uma coligação de interesses económicos rentistas que prosperam no quadro de um regime de acumulação baseado na expropriação dos recursos públicos.
O caso português é ilustrativo. Na sequência do processo de privatizações (re)constituíram-se em Portugal grupos económicos que se caracterizam precisamente pelo acantonamento na produção de bens não transaccionáveis e pela penetração crescente na esfera da provisão de serviços públicos.
As consequências de tudo isto estão à vista nos países onde o processo foi levado mais longe: fractura social entre os que têm acesso (à saúde, ao ensino e à protecção face aos riscos de desemprego) e os que não têm. Onde o processo ainda vai a meio é patente o aumento do custo e a degradação da qualidade dos serviços (anteriormente) públicos.
Em Portugal, que de há décadas a esta parte continua a situar-se entre os campeões das desigualdades na distribuição de rendimentos em toda a UE e onde os salários continuam tão baixos que um terço dos beneficiários do "rendimento social de inserção" trabalha, a qualidade e a universalidade dos serviços públicos está também sob pressão.
Contrariando uma certa imagem construída pelos seus adversários, de que as esquerdas
socialistas seriam um movimento "bota-abaixista" desprovido de propostas exequíveis, o debate permitiu identificar acordos em torno de algumas linhas de política:

O reconhecimento da centralidade do papel do Estado

Esta centralidade não deve ser confundida com o papel que o Estado actualmente desempenha na socialização das perdas do sector financeiro. A designação "Estado estratega" foi já utilizada para caracterizar o que agora, em contexto de crise, mais do que nunca é necessário: um Estado que em nome do interesse público reassume o controlo de sectores estratégicos, se responsabiliza pela provisão de serviços públicos e pela gestão do território, e utiliza os meios de que dispõe para incentivar e enquadrar o investimento privado.

Valorização do serviço público

Em desacordo com as teorias e as práticas da "nova gestão pública", que tão influente se tornou entre nós dando origem a mais conflitos do que reformas, subscrevemos o que um de nós afirmou: "O nosso país não está condenado a escolher entre serviços decadentes e burocratizados, de um lado, e a erosão do Estado conduzida segundo a ideologia gestionária da modernização, do outro."
Existem formas de modernizar a administração pública que, não reduzindo os servidores do Estado à condição de oportunistas e egoístas, podem nutrir os valores e os significados característicos da ética de serviço público. Os funcionários podem e devem ser mobilizados para garantir o sucesso de quaisquer reformas.

Combate à desigualdade pela valorização do trabalho

A direita procura reduzir o combate à desigualdade à provisão de mínimos de subsistência para os que não podem trabalhar, ou a uma redistribuição do rendimento compensatória. O caso português é ilustrativo das limitações das políticas sociais meramente reparadoras. Para a direita, a determinação do valor do trabalho deveria ser deixada ao mercado. Em alternativa, entendemos ser necessário promover a desmercadorização do trabalho através de regras que protejam os trabalhadores, combatam a precariedade e garantam salários dignos. O desemprego deixou já de ser o principal mecanismo gerador de pobreza, o próprio sistema produtivo voltou a produzir, a par de mercadorias, trabalhadores pobres.
Queremos acreditar que estes debates foram o primeiro passo de um processo que dê aos portugueses razões para enfrentarem o futuro com mais confiança.

2008/12/24

BOAS FESTAS


O pior dos males do nosso tempo é a ausência de esperança, viver "privado de futuro", como escreveu o jornalista francês Jean Daniel a propósito da revolta dos jovens gregos.

Aproveitemos esta época de Natal para reflectir sobre os difíceis caminhos da reconstrução da esperança.

Boas Festas, Bom Ano, um abraço para todos.

Manuel Alegre

2008/12/20

Uma nova esquerda?

Um passo em frente, dois passos atrás

Elísio Estanque, 19/12/08, em www.boasociedade.blogspot.com

Nos últimos dois dias continuaram a suceder-se as entrevistas, os artigos, os comentários directa ou indirectamente relacionados com o Encontro das Esquerdas e Manuel Alegre. Para uns sim, para outros não, para outros nem pensar, enfim... Confesso que todo o frenesim mediático à volta deste acontecimento ultrapassou as minhas expectativas. E esse mesmo facto é em si próprio revelador de que a iniciativa foi boa, foi oportuna, foi no momento certo. Pelo menos foi-o no sentido em que tornou esse evento num novo facto político. Desde logo porque o tem sido ao longo de toda a semana mediática, segundo porque pairou em diversos momentos sobre as iniciativas do Governo e dos partidos políticos (sobretudo os de esquerda) e, terceiro, porque é muito provável que no futuro próximo sejam desencadeadas novas iniciativas que resultam, pelo menos em parte, da do passado fim de semana.

Mais importante do que fazer cálculos eleitorais sobre o modo como o futuro “bolo” eleitoral da esquerda seja repartido (Rui Tavares), ou mais importante do que especular sobre os meios financeiros e o “para quê?” de um novo partido (VPV), será acompanharmos a evolução das coisas. Manuel Alegre foi ambíguo, é certo. Mas, como ele próprio está farto de dizer “a política não é uma questão de preto e branco”, insere-se num campo de múltiplas complexidades (sociais, simbólicas, discursivas, culturais), e é, em larga medida, um jogo. Um jogo em que os actores participantes fazem cálculos e definem estratégicas, mas em que esses mesmos cálculos e estratégias sofrem constantes arranjos e ajustamentos. Muitas vezes a dinâmica das sucessivas “jogadas” ganha vida própria e sobrepõe-se aos actores; seja obrigando-os a fazer aquilo que não pensavam fazer, seja a negar aquilo que antes afirmaram ou prometeram.

Neste caso, o importante é abrir canais e pôr as esquerdas a dialogar e a reflectir. Começa a perceber-se que é falsa a inevitabilidade de termos que viver com os partidos que temos, e de nos resignarmos à sua incapacidade de mudar. O próprio facto desta questão ter assumido as proporções que assumiu na ultima semana dá que pensar. Não será que o terreno está mesmo preparado para uma ruptura de paradigma? E parece cada vez mais claro que o facto político da semana poderá trazer mais novidades para a cena política portuguesa. Mesmo sabendo que a estratégia política já não é o que era, vale a pena lembrar o velho lema de Lenine «um passo em frente, dois passos atrás». Nem tudo será linear, mas há coisas que estão a mudar.

2008/12/17

Protestos na Grécia


Movimentos juvenis e conflitualidade

Elísio Estanque, Jornal Público, 17/12/2008

Os recentes distúrbios na Grécia ou os que ocorreram há poucos anos em França, envolvendo milhares de jovens em fúria, podem suscitar a dúvida quanto à possibilidade de uma onda semelhante de agitação social vir a atingir o nosso país.

Apesar da ideia dos “brandos costumes” permanecer colada à imagem de Portugal, não é preciso recuar muito na nossa história para se constatar que a suposta resignação dos portugueses, tem os seus limites. A I República e o 25 de Abril de 1974 deixaram as suas marcas no plano da contestação e do radicalismo político. Muito embora o actual contexto seja bem diferente dos desses períodos, a realidade social e económica é sempre um factor decisivo para a eclosão de protestos sociais, independentemente das causas próximas – um excesso, um abuso, ou uma morte inocente –, as quais constituem apenas a faísca que pode incendiar a pradaria.

Os movimentos sociais dos anos 60-70 surgiram na sequencia de um conjunto de rupturas socioculturais contra a mentalidade convencional, o clima de Guerra Fria, a corrida aos armamentos, as agressões ao ambiente, a segregação sexual, etc., denunciando as insuficiências da democracia representativa. Tudo isto nos países avançados do ocidente, onde uma economia em crescimento e um Estado-providência forte pareciam garantir um futuro de bem-estar geral. Esses movimentos, animados principalmente por sectores juvenis e escolarizados, filhos das classes médias e superiores, orientavam-se por atitudes e subjectividades pós-materialistas, uma vez que as necessidades materiais estavam asseguradas e eram (ou pareciam ser) irreversíveis.

Ontem, como hoje, uma parte do que anima os movimentos juvenis, como o Maio de 68 em Paris, deriva das condições de emergência que mobilizam os grupos e as comunidades, o que requer a identificação de um opositor, de um “inimigo”. Mas enquanto nessa altura era a consciência política e as auto-proclamadas “vanguardas” que assumiam a liderança da luta, neste início do século XXI a acção colectiva perdeu parte do seu conteúdo político. Dito de outro modo, continua em vigor o princípio da “válvula de escape”, mas os seus efeitos são politicamente mais incertos. As ondas de protesto e o discurso de indignação que as acompanha, exacerbados por um poder de Estado de cariz autoritário, podem ganhar um efeito mimético de proporções imprevisíveis, se para tal as condições sociais se tornarem propícias.

Ninguém pode prever qual o grau de contágio que o caso grego pode adquirir no resto da Europa. Mas o certo é que a juventude europeia se debate com uma absoluta falta de perspectivas de futuro. Tal imprevisibilidade e em especial as perspectivas sombrias no plano do emprego, vêm condenando os jovens licenciados a trabalhos descompensados e mal pagos (a geração dos 500 ou 700 euros), a uma precariedade que se prolonga muito para lá do tolerável. Isto é, sem dúvida, um cenário social bem longe da situação que se vivia nos idos anos 60 do século XX. Hoje, ao contrário daquela década, os problemas e carências materiais (leia-se, ausência de um emprego decente) voltaram a ser a primeira das necessidades por satisfazer. Nesse aspecto, como em vários outros, a Europa regrediu. Hoje, o movimento estudantil já não exprime um radicalismo de classe média, tornou-se antes expressão do descontentamento de milhares de famílias de escassos recursos, que investiram nos seus filhos para lhes dar uma educação (e um “título” de Dr), mas que agora se encontram no limbo entre a precariedade e o desemprego.

Apesar de a juventude actual se mostrar relativamente indiferente perante a política e a “esfera pública”, o consumismo alienante já deixou de ser suficiente para compensar a “privação relativa” com que se confrontam milhares de jovens. Na verdade, a ausência de perspectivas de um futuro condigno (pelo menos tão bom como o dos pais) parece estar a induzir um “ressentimento geracional” que, à falta de medidas adequadas, será propício a respostas radicais e a uma agitação social envolvendo não só os sectores escolarizados com trabalho precário ou em busca do primeiro emprego mas, porventura atrás deles, outros segmentos sociais igualmente empurrados para as margens da sociedade

2008/12/15

A coragem de mudar


Intervenção de Manuel Alegre na Aula Magna no Encerramento do Fórum "Democracia e Serviços Públicos"

Saúdo os meus colegas nesta sessão de encerramento.
Saúdo os oradores e moderadores dos debates que hoje se realizaram.
É possível debater ideias sem dogmas, sem sectarismos e sem demagogia. Isso só não é possível para quem não pratica a democracia.

Amigos, companheiros e camaradas:

Dante reservou os lugares mais quentes do Inferno para aqueles que em tempo de crise moral se mantivessem neutros. Suponho que há neste momento muitos lugares reservados. Para os neutros e para os cúmplices. E sobretudo para os que andaram a apregoar as delícias da mão invisível e da auto-regulação do mercado e agora recorrem à intervenção do Estado para socializar as perdas e preservar os seus bancos, as suas fortunas e os seus privilégios.
Este é de facto um tempo de crise, um tempo em que não se pode ser neutro. Tempo de decisão e coragem.
A coragem de Roosevelt quando, após a Grande Depressão, enfrentou os muito ricos com um política de fiscalidade redistributiva, com o reforço do papel dos sindicatos, com a elevação do nível geral dos salários, com a intervenção do Estado em sectores-chave da economia e com o estabelecimento de direitos sociais, como o serviço público de saúde. Que nomes não nos chamariam em Portugal se hoje disséssemos o mesmo.
A coragem do Governo da Frente Popular presidida por Léon Blum, quando, em 1936, tomou um conjunto de medidas fundadoras dos modernos direitos sociais. Entre eles as férias pagas e as imagens para sempre inapagáveis dos operários que partiam a cantar, de bicicleta ou de comboio, para pela primeira vez verem o mar e gozarem as praias que até então eram só de alguns.
Coragem para mudar a sociedade e a vida. Coragem para estar ao lado dos desempregados e desfavorecidos e não para, à custa dos dinheiros públicos, salvar um banco privado que administra grandes fortunas. Coragem para mudar. A começar por nós mesmos. Coragem para se saber de que lado se está do ponto de vista das lutas sociais. Coragem para dialogar onde até agora se monologava. Coragem para convergir onde até agora se divergia.
Esta não é uma iniciativa inter-partidária. E por isso não está nenhum partido a menos nem nenhum partido a mais. Estão aqui cidadãs e cidadãos que não querem ser neutros e pretendem, em conjunto, procurar novas respostas, convencidos de que é possível construir soluções alternativas e de que é esse o papel da esquerda: não se conformar, não se resignar, não desistir.
Muitos de nós combatemos, por caminhos diferentes, o pensamento único que nos últimos vinte e tal anos desregulou o mundo aplicando em toda a parte as mesmas receitas: diminuição do papel do Estado, redução dos serviços públicos ou a sua gestão em concorrência com os privados, esvaziamento dos direitos sociais, deslocalização, desemprego, exclusão, precariedade, corrupção, destruição do ambiente, agravamento das desigualdades, empobrecimento progressivo da qualidade da democracia.
Começou com Reagan e Thatcher, culminou com Bush e da pior maneira: com a guerra do Iraque, os voos da CIA e Guantánamo, símbolo tenebroso do desrespeito pelos Direitos do Homem de cuja proclamação se celebram agora 60 anos. E por isso é que a eleição de Barack Obama, que é, em si mesma, um factor de mudança cultural e cívica, constitui uma tão grande e porventura desmedida esperança.
Ao longo de todo este tempo, desde a queda do muro de Berlim, o capitalismo ficou sem concorrência, mesmo que para muitos de nós ela não fosse a mais desejável. E ficou também sem a resistência da social-democracia. Agiu como se tudo lhe fosse permitido. Algumas das conquistas sociais que vinham de 1936 e do pós-guerra foram sistematicamente desmanteladas ou reduzidas ao mínimo. Por outro lado, a globalização também globalizou as desigualdades. O resultado está à vista: colapso do sistema financeiro, recessão económica, uma democracia mais pobre, consequências sociais imprevisíveis. Está a acontecer na Grécia, amanhã pode ser em Espanha, pode ser na França, pode ser aqui. Em toda a parte.
Não é possível resignarmo-nos ao nível de desigualdades existente no nosso país. Segundo os índices da OCDE, somos um dos três países daquela organização onde há maiores desigualdades. E somos o país da União Europeia onde há mais desigualdade na distribuição da riqueza. Há qualquer coisa de errado no nosso modelo de desenvolvimento.
Há qualquer coisa que não bate certo num país em que cerca de 18% de portugueses vivem no limiar da pobreza e uma minoria de gestores se auto-atribui milhões e milhões em prémios, indemnizações e salários.
Há qualquer coisa de indecoroso na promiscuidade entre o exercício de cargos políticos e os negócios privados.
Há qualquer coisa do avesso quando o novo Código do Trabalho é elogiado pelo Presidente da CIP.
Há algo de obstinado e cego e surdo quando se insiste numa avaliação por quotas, administrativa e economicista, que está a paralisar a escola pública e a desqualificar a Administração Pública em geral.


Os debates que hoje se realizaram sobre “Democracia e Serviços Públicos” permitiram por certo estabelecer pontes e convergências para a construção de políticas alternativas. Não são um ponto de chegada, mas um ponto de partida. E seria interessante que cada um desses painéis pudesse continuar autonomamente a aprofundar o debate e encontrar novas soluções. Em torno destes temas é com certeza possível encontrar convergências.
Permitam-me agora algumas reflexões e propostas sobre a Democracia e os Serviços Públicos.
O conceito de serviços públicos como actividades de interesse geral que o Estado se obriga a prestar a todos os cidadãos surgiu no século passado. Foi então assumido que se tratava de necessidades colectivas que não podiam ser resolvidas pelo mercado.
A obsessão desreguladora dos anos oitenta pôs em causa este conceito e forçou a abertura ao mercado e à concorrência de sectores até então considerados “Serviços públicos”, como as grandes indústrias de redes (energia, telecomunicações, transportes ou serviços postais). Esses serviços passaram a designar-se como serviços de interesse económico geral.
O processo continuou em áreas essenciais ao cumprimento dos direitos sociais (educação, saúde, segurança social), com a entrada em força do mercado nessas áreas e a criação da figura das parcerias publico-privadas para substituir o que até então fora considerado serviço público.
Assistiu-se ao endeusamento do mercado e à diabolização do Estado, mesmo quando os níveis de satisfação desceram, o desemprego aumentou e os custos dispararam. E à sombra das parcerias publico-privadas floresceram grandes negócios privados e desvirtuaram-se regras de transparência obrigatórias no serviço público.
No direito comunitário, o coração do debate sobre os serviços públicos está no artigo 86 do Tratado Europeu, segundo o qual as empresas que prestam serviços de interesse económico geral estão sujeitas às regras da concorrência.
É preciso questionar e eliminar esta situação. A submissão dos serviços públicos às regras da concorrência priva o Estado de intervir em áreas essenciais para a satisfação das necessidades básicas dos cidadãos e distorce a avaliação dos serviços prestados.
É inaceitável que os serviços públicos sejam tratados como se fossem uma qualquer mercadoria.
É inaceitável que se defenda a perda de milhares de empregos no sector público como condição de progresso.
É inaceitável que se instituam regras de avaliação na educação cujo objectivo é “emagrecer” o número de professores na escola pública.
É inaceitável o encerramento de serviços públicos no interior do país, que contribui, às vezes por forma dramática, para a desertificação do território.
É inaceitável a entrega sistemática ao privado de sectores económicos rentáveis, nomeadamente na área da energia.

A saída da actual crise financeira, económica e social exige que a esquerda apresente políticas alternativas ao modelo neo-liberal e especulativo ainda dominante. Políticas que se baseiem na solidariedade, na sustentabilidade e na cooperação.
Defendo por isso como prioridades:
• o abandono da agenda da “flexisegurança” por uma agenda do “bom emprego”. Isto implica que não se pode abdicar de promover o pleno emprego, com reconhecimento dos direitos dos trabalhadores, incluindo a protecção na saúde e a conciliação do tempo de trabalho com a vida privada e familiar
• o combate à especulação financeira e o reforço dos poderes reguladores e intreventores do Estado
• o investimento público em sectores produtivos e geradores de bem estar social, desenvolvimento e emprego sustentável
• uma distribuição mais equitativa do rendimento e da riqueza como condição do desenvolvimento, através da garantia de salários e pensões mínimas mais elevados e da taxação fiscal de salários e pensões milionárias
• a promoção de políticas contra a pobreza, nas áreas da formação, emprego, habitação, acção social e direitos dos imigrantes
• o reconhecimento do direito à água como um direito humano
• a defesa e reforço da escola pública, do serviço nacional de saúde e da segurança social pública, como garantia de direitos fundamentais dos cidadãos
• a definição de políticas públicas para as cidades, que incluam o transporte, a habitação, o património, a cultura, o ambiente, o espaço público e a participação cívica
• a defesa da qualidade de vida e o combate à especulação imobiliária
• o incentivo a práticas de protecção do ambiente e de eficiência energética

Por todas estas razões, a esquerda tem de promover e aprofundar o debate sobre os serviços públicos e o seu papel numa democracia moderna e de qualidade.

Amigos, companheiros e camaradas

Uma crise como a que o mundo está a viver é também uma oportunidade de mudança. Uma oportunidade que a esquerda não deveria desperdiçar. Ninguém nos perdoaria. Uma oportunidade para propormos soluções de mudança e uma oportunidade para nós próprios também mudarmos. E neste sentido talvez o caminho seja mais árduo e mais complexo.


Não se trata de fazer revoluções já feitas e passadas.
Não se trata de reescrever a história que já está escrita.
Não se trata de inventar novos dogmas, novos sectarismos e novas excomunhões.
Ninguém é proprietário da esquerda, ninguém tem o monopólio da verdade, ninguém é dono do futuro.
A nossa força está na nossa pluralidade, nas nossas diferenças e, no respeito por elas, na nossa capacidade de construir convergências.
É esse o novo e grande desafio moral e político.
É essa a coragem de que precisamos. A coragem de não nos repetirmos. A coragem de abrir novos caminhos.
Não estamos aqui para tentar impedir que outros cresçam, mas para que toda a esquerda possa crescer em todos os sentidos. Não apenas eleitoralmente. Mas cívica e politicamente.
Porque esse é que é o problema. Crescer para quê? Para que políticas? Com que rumo? E para onde?
É preciso que parte da força eleitoral da esquerda não se vire contra si mesma. E muito menos contra as outras esquerdas. Porque essa tem sido a fragilidade das esquerdas europeias e da esquerda portuguesa. Há, por um lado, a esquerda do governo, que quando o é deixa de ser praticante. E a outra, que frequentemente se acantona no contra-poder.
Talvez aqui as convergências sejam mais difíceis de construir. Mas eu estou aqui para falar com clareza, com verdade e com fraternidade. Em meu entender, esse é o novo tabu que é preciso quebrar. A reconfiguração da esquerda implica a capacidade e a vontade de construir uma perspectiva alternativa de poder. Esta é a nova coragem que é preciso ter. Não só a coragem de resistir e persistir, de que muitos de nós temos experiência, mas a coragem de virar a página e construir uma nova esperança e uma nova alternativa.
Sei que não é fácil e não há agendas escondidas. Sei que é algo que não se decreta. Sei que é um processo que, para ser viável, exige consistência e passa pela difícil construção de uma via nova e de uma base programática sólida.

Mas estou de acordo com o que recentemente escreveu Rui Tavares: “Essa é a responsabilidade histórica da esquerda portuguesa. Mas não sabemos se ela vai estar à altura dessa responsabilidade.” Eu acho que precisamos de ter a coragem de estar à altura. Até porque, como diz o mesmo autor, “se o desejo da esquerda é transformar a sociedade portuguesa, o momento aí está.”

Permitam-me também que vos diga, com toda a franqueza e fraternidade, que a reconfiguração da esquerda portuguesa não se fará sem o concurso de eleitores, simpatizantes e militantes do Partido Socialista.
Permitam-me que daqui saúde os meus camaradas socialistas desempregados ou em trabalho precário. Os meus camaradas socialistas que se sentem inseguros com a crise e ameaçados por novas falências. Os meus camaradas socialistas professores que com muitos outros lutam pela suspensão de uma avaliação absurda. Os meus camaradas socialistas funcionários públicos que, apesar de todos os bloqueios, continuam honradamente a servir o Estado. Os meus camaradas que em condições difíceis, nos hospitais civis, trabalham para defender e dignificar o serviço nacional de saúde, grande bandeira e grande conquista da democracia portuguesa. Permitam-me, enfim, que saúde os meus camaradas socialistas que com outros milhares de trabalhadores se manifestam, resistem e protestam contra o novo Código do Trabalho, que representa, como disse Jorge Leita, um retrocesso civlizacional.
É para eles que vai neste momento o meu pensamento e a minha fidelidade de militante socialista.

Um grande português chamado Antero de Quental falou do socialismo como protesto moral contra a injustiça e a exploração. Foi há muito. Mas continua a ser uma boa inspiração para todos nós. Os explorados, os oprimidos, os deserdados da vida foram e são a razão de ser da esquerda. É por eles que estamos aqui, não pelas grandes fortunas, desculpem-me a insistência, do Banco Privado Português.


Amigos, Companheiros e Camaradas:

Eu acho que foi muito bom estarmos aqui a debater. Este debate constitui uma mudança de significado político e cultural.
Há muita gente insatisfeita. Eu também quero mais.

E agora, perguntarão?

Agora há que encontrar o caminho.
E esse caminho somos todos nós. São todas as cidadãs e cidadãos que querem outra política e outra alternativa. Por uma democracia, mais limpa, mais justa e mais solidária.

"A reconfiguração da esquerda implica construir uma perspectiva alternativa de poder"

Manuel Alegre no Fórum das Esquerdas:
[com TSF, 15-12-2008]

"Uma crise como a que o mundo está a viver é uma oportunidade de mudança que a esquerda não deveria desperdiçar" afirmou hoje Manuel Alegre no encerramento do Forum "Democracia e Serviços Públicos". Perante o público que enchia a Aula Magna, onde se via gente das várias esquerdas, Manuel Alegre saudou o debate e apelou à coragem de mudar. "Esta é a nova coragem que é preciso ter", disse. Para Manuel Alegre, "a reconfiguração da esquerda implica a capacidade e a vontade de construir uma perspectiva alternativa de poder."

Manuel Alegre elencou as principais prioridades que resultaram do debate de hoje, salientando que "é preciso questionar e eliminar" a submissão dos serviços públicos às regras da concorrência. O ex-candidato presidencial dirigiu ainda algumas palavras aos socialistas desempregados, precários, professores, funcionarios públicos e agentes do serviço nacional de saúde, capazes de combater e resistir em condições difíceis.
No final, Manuel Alegre lançou a pergunta: "E agora?" Recordando que há "muita gente insatisfeita", respondeu: "Agora há que encontrar o caminho. E esse caminho somos todos nós", "todas as cidadãs e cidadãos que querem outra política e outra alternativa", concluiu.

Após o final do encontro, questionado pelos jornalistas sobre se a «base programática» que saiu do Fórum das Esquerdas é para ir a votos, a resposta foi afirmativa: «É para ir a votos. Não sou eu que defendo a insurreição». Manuel Alegre também afirmou que "não é santo milagreiro" e que o que vier a surgir «não é de um dia para o outro».
Sobre o cenário eventual de criação de um partido político, o ex-candidato presidencial afirmou: «Está permitido por lei». Alegre advertiu ainda que a «reconfiguração da esquerda não se fará sem os eleitores, simpatizantes e militantes do Partido Socialista».

2008/12/13

Os Encontros das Esquerdas

Segunda-feira, Dezembro 08, 2008, Elísio Estanque, www.boasociedade.blogspot.com

Em busca de novos caminhos


Perante um PS disciplinado e alinhado com o governo, mesmo com um PSD incapaz de se apresentar como alternativa credível ao PS, a desejada maioria absoluta de Sócrates está longe de ser uma garantia. Parte do tradicional eleitorado do PS está descontente e não votará muito provavelmente no partido. Mas, certamente que, com Manuela Ferreira Leite, muitos votos do PSD irão deslocar-se para o PS. Resta saber qual o peso e qual o resultado final dessas oscilações. A esquerda, de fora e até de dentro do PS, anda hesitante, embora alguma pareça triunfalista com a contestação de rua e com as sondagens. PCP e Bloco parecem poder consolidar posições, com o segundo a ameaçar ultrapassar o primeiro. O PC de Jerónimo mantém-se fiel ao seu discurso e à sua ortodoxia, mas não deixa de se mostrar algo agitado com tais cenários.

Os encontros agendados para a próxima semana em Lisboa, o primeiro no dia 14, que surge por iniciativa da Corrente de Opinião Socialista, ligada a Manuel Alegre, o segundo no dia 15, o Debate das Esquerdas, promovido por independentes e por figuras ligadas às várias esquerdas (incluindo o PC), têm vindo a gerar expectativas e interrogações por parte de diversos quadrantes. Apesar de algum atrito que também já ocorreu, devido a informação da imprensa em que ambas as iniciativas eram misturadas, creio que faz sentido, apesar de tudo – até por ser apoiante e signatário de qualquer destas iniciativas – estabelecer alguma ligação entre si.

Vamos por partes. Do encontro dos “alegristas” com os bloquistas, e onde também participa M. Carvalho da Silva (Fórum Democracia e Serviços Públicos – 14 Dez., Aula Magna, 11,00h), pode resultar, na sequência dos discursos aí programados, que obviamente se adivinham bastante críticos do governo Sócrates, algum sinal de aproximação ou de eventual convergência entre descontentes do PS, dirigentes do BE e outros activistas de esquerda. Divergência e convergência são inseparáveis para criar debate, mas no cenário actual, é expectável uma maior sintonia entre estas sensibilidades, pelo menos no que respeita às críticas à política do governo PS nas áreas em discussão (economia, educação, trabalho, cidades e saúde). Mais duvidosa será uma eventual convergência quanto à criação de uma imaginada frente eleitoral ou de um qualquer programa político alternativo. Mas, a manterem-se estes canais de diálogo, e caso o PS venha a perder a maioria absoluta (e precise dos deputados do BE para governar), será mais fácil isso acontecer com M. Alegre no PS do que fora dele. Ele pode continuar a ser uma importante força de pressão dentro do partido, uma voz de peso da esquerda socialista (capaz de pressionar o governo pelo menos em algumas áreas) e nesse caso assumir-se como elemento mediador entre o BE e o PS. Mas importa ainda saber da estratégia, da prática e do discurso do BE até aos próximos actos eleitorais...

Do encontro do dia 15 – com Florival Lança, Jorge Sampaio, António José Seguro e Ricardo Pais Mamede, com moderação de Ulisses Garrido; sobre o tema «Crise – oportunidade de viragem», dia 15 Dez., Hotel Zurique, 21,00h – pode esperar-se alguma clarificação de posições de personalidades importantes da área do PS, havendo no entanto algum risco de nos ficarmos por discursos demasiado amplos e generalistas, de duvidoso impacto na vida política do país. Importa realmente ouvir as vozes de esquerda. Será importante que cada um contribua com a sua experiência para abrir possíveis caminhos de futuro, sem receio de quebrar fidelidades. Sendo um espaço para Debate e virado para estimular o confronto de ideias, espera-se que haja total abertura e humildade por parte de todos para, em conjunto, questionarem velhas e novas cartilhas, na busca da renovação da esquerda e da revitalização da democracia.

Perante um PS vazio de debate interno e um PC que é mais do mesmo, é fundamental criar espaços como estes, onde se possam colocar as ideias livremente e sem tabus, e buscar possíveis caminhos alternativos para a esquerda portuguesa. Mesmo sem qualquer pretensão de encontrar soluções mágicas, menos ainda chegar a certezas absolutas; e por outro lado, sem saber o que as diferentes esquerdas (incluindo Manuel Alegre, renovadores comunistas, e o BE) irão fazer no futuro, registe-se que estas iniciativas, ao obrigarem quer os dirigentes do PS quer os lideres de outras esquerdas a moverem-se ou a assumirem posição, é já um sinal de que vale a pena os cidadãos livres tomarem a iniciativa nas suas próprias mãos. O contributo pode ser pequeno. Mas é muito maior do que o que fazem tantos oráculos da desgraça e tantos críticos da crítica da crítica...