Elísio Estanque, 04/10/07, publicado no blog " Boa Sociedade " Portugal está a atingir um ponto em que aquilo que há alguns anos se jurava ser o essencial da vida democrática virou nos últimos anos um empecilho da democracia.
1. No tempo do Estado Novo, o corporativismo estava instalado no poder, hoje “corporativo” é quem ouse contestar as propostas governativas.
2. Antes, os “interesses” estavam no governo, hoje ele é absolutamente neutro (milimetricamente técnico) e quem não crê nas mudanças propostas é um defensor do marasmo e da mediocridade.
3. Há uns trinta anos atrás, quem não estava com a “revolução” estava com a “reacção”, hoje quem não está com Sócrates está contra o progresso do país.
4. Há uns vinte anos atrás, os sectores organizados, os sindicatos, os protestos espontâneos e a esquerda eram “forças de bloqueio”. Hoje, tudo o que não alinhe na via socrática para a (sua) “modernidade”, a começar pelos sindicatos, é defensor dos "interesses adquiridos" e egoistas.
5. Antes, pensava-se que da discussão “nasce a luz” e, portanto, quanto mais debate mais condições para que fosse encontrada uma melhor solução para os problemas. Hoje, dizem-nos que a discussão é sobretudo uma forma de impedir que as decisões sejam tomadas.
6. Antes, pensava-se que era importante a participação das pessoas nas decisões, e até que quanto mais gente fosse envolvida no processo decisório, mais condições teria para ser aplicada e gerar mudança. Hoje, quanto menos pessoas forem envolvidas numa decisão mais probabilidade ela tem de se tornar efectiva (sobretudo se essas pessoas tiverem uma fidelidade canina para com quem manda).
7. Antes (no tempo do Guterres), se os atingidos pelas decisões protestavam, conseguiam em geral um recuo do governo. Hoje (no tempo de Sócrates), o governo acredita que quanto mais “despojos” e vitimas das suas reformas existirem mais correcta e consequente é a marcha do comboio reformista.
8. Antes, acreditávamos que era possível criar consensos através do diálogo e do entendimento entre as partes. Hoje o “diálogo” tornou-se um vírus diáfano que faz parte da mentalidade daqueles que nada querem mudar.
9. Antes a política era o pluralismo das ideias. Hoje é uma ideia distorcida de pluralismo.
10. Antes, havia os trabalhadores que era preciso integrar nos processos de mudança e camadas carenciadas e excluídas que era preciso ajudar a desenvolver. Hoje, o que é preciso é dar umas migalhas aos desgraçados, ameaçá-los com o desemprego e mostrar o combate feroz aos “parasitas” da administração pública para se conseguir calar o povo e até ter o seu apoio.
11. Antes, a imagem de um líder (ou primeiro-ministro) era um importante complemento da sua acção política. Hoje o trabalho político é um complemento menor da “imagem” de um primeiro-ministro.