M!CporCoimbra

2008/02/28

Comunidade de Leitores da Almedina recebe o “alquimista” Manuel Alegre


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“Alquimistas como Manuel Alegre nunca nos deixarão sós”. Eis a conclusão à qual Abílio Hernandez chega no fim de uma “noite de insónia”, passada na companhia da Comunidade de Leitores da Almedina. Durante a sua intervenção, que prepara a vinda a Coimbra, na livraria do Estádio, de Manuel Alegre - na próxima Quinta-feira (28) pelas 21h00 -, o professor da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (FLUC) ouve o diálogo de Alegre com algumas das mais conhecidas vozes poéticas. Lorca, Rimbaud, Derrida, Aragon, Camões, Miguel Torga e Eduardo Lourenço ajudam a perceber o sentido da sua poesia, da sua linguagem, mas também da palavra e da leitura.

2008/02/22

"Sedes" alerta para crise social de contornos difíceis de prever

22.02.2008, Luciano Alvarez, no PÚBLICO de hoje

É um documento preocupante. Uma alerta ao país para evitar uma crise maior. O Estado e os políticos são os principais visados
Sente-se em Portugal "um mal-estar difuso", que "alastra e mina a confiança essencial à coesão nacional". Este mal-estar e a "degradação da confiança, a espiral descendente em que o regime parece ter mergulhado, têm como consequência inevitável o seu bloqueamento". E se essa espiral descendente continuar, "emergirá, mais cedo ou mais tarde, uma crise social de contornos difíceis de prever".
Este é um dos muitos alertas lançados pela Associação para o Desenvolvimento Económico e Social (Sedes) - uma das mais antigas e conceituadas associações cívicas portuguesas -, num documento ontem concluído e dirigido ao país.
Esta tomada de posição é uma reflexão sobre o momento que Portugal vive, com a associação a manifestar o seu dever de ética e responsabilidade para intervir e chamar a atenção "para os sinais de degradação da qualidade de vida cívica". Principais visados: o Estado, em geral, e os partidos políticos, em particular.
E para este "difuso mal-estar", frase que é o pilar de todo o documento, a Sedes centra-se em algumas questões: degradação da confiança no sistema político; sinais de crise nos valores, comunicação social e justiça; criminalidade, insegurança e os exageros cometidos pelo Estado.

Acirrar de emoções

O acentuar da "degradação da confiança dos cidadãos nos representantes partidários" de todo o espectro político é o primeiro alerta da associação. E, aqui, os relatores do documento (ver texto nestas páginas) não têm dúvidas sobre a crise que surgirá caso não seja evitado o eventual fracasso da democracia representativa: "criará um vácuo propício ao acirrar das emoções mais primárias em detrimento da razão e à consequente emergência de derivas populistas, caciquistas, personalistas".
E para que a democracia representativa seja preservada, a Sedes aponta três metas aos partidos: "Têm de ser capazes de mobilizar os talentos da sociedade para uma elite de serviço; a sua presença não pode ser dominadora a ponto de asfixiar a sociedade; e não devem ser um objectivo em si mesmos".
A associação considera ainda preocupante "assistir à tentacular expansão da influência partidária" - quer "na ocupação do Estado", quer "na articulação com interesses da economia privada".
Outro factor que a Sedes diz contribuir para a "degradação da qualidade da vida política" é o resultado "da combinação de alguma comunicação social sensacionalista com uma justiça ineficaz", que por vezes deixa a sensação de que "também funciona subordinada a agendas políticas".
Essa combinação "alimenta um estado de suspeição generalizada" sobre a classe política. "É o pior dos mundos", acrescentam. "Sendo fácil e impune lançar suspeitas infundadas, muitas pessoas sérias e competentes afastam-se da política, empobrecendo-a."
Neste capítulo, o Estado, que "tem uma presença asfixiante sobre toda a sociedade", também não é poupado: "Demite-se do seu dever de isenta regulação, para desenvolver duvidosas articulações com interesses privados, que deixam em muitos casos um perigoso rasto de desconfiança".
E nesta sequência de constatações sobre o comportamento dos agentes do Estado, surge pela primeira vez a palavra "corrupção". "É precisamente na penumbra do que a lei não prevê explicitamente que proliferam comportamentos contrários ao interesse da sociedade e ao bem comum. E é justamente nessa penumbra sem valores que medra a corrupção, um cancro que corrói a sociedade e que a justiça não alcança."

Criminalidade e exageros

E depois vêm a criminalidade e os recados aos exageros do Estado directamente dirigidos à ASAE, embora esta autoridade nunca seja explicitamente citada. A Sedes não tem dúvidas em afirmar que a criminalidade violenta "progride"; que a "crescente ousadia dos criminosos transmite o sentimento de que a impune experimentação vai consolidando saber e experiência na escala da violência"; e que, enquanto "subsiste uma cultura predominantemente laxista no cumprimento da lei, em áreas menos relevantes para as necessidades do bom funcionamento da sociedade emerge, por vezes, uma espécie de fundamentalismo ultrazeloso, sem sentido de proporcionalidade ou bom senso".
"Calculem-se as vítimas da última década originadas por problemas relacionados com bolas-de-berlim, colheres de pau ou similares e os decorrentes da criminalidade violenta ou da circulação rodoviária e confronte-se com o zelo que o Estado visivelmente lhes dedicou."
Por tudo isto, e para evitar que se chegue à já referida "crise social de contornos difíceis de prever", a Sedes apela depois à sociedade civil para intervir e participar "no desbloqueamento da eficácia do regime". Mas, para que isso aconteça, será necessário que o Estado se "abra mais do que tem feito até aqui".

Prestar contas

E aqui, as principais críticas vão para os partidos. Para a Sedes, a dissociação entre os eleitores e os partidos "deve preocupar todos aqueles que se empenham verdadeiramente na coisa pública e que não podem continuar indiferentes perante a crescente dissociação entre o conceito de res publica e o de intervenção política".
Partidos que, de acordo com a Sedes, "têm a obrigação de prestar contas de forma permanente sobre o modo como o exercem". "Em geral, o Estado tem de abrir urgentemente canais para escutar a sociedade civil e os cidadãos. Deve fazê-lo de forma clara, transparente e, sobretudo, escrutinável. Os portugueses têm de poder entender as razões que presidem à formação das políticas públicas que lhes dizem respeito", conclui o documento. Ler documento na íntegra em www.publico.pt
Vítor Bento, presidente da Sedes, é um dos muitos economistas que assinam o documento de alerta ao país

2008/02/21

Câmara de Coimbra acusada de ser um obstáculo à produção cultural na cidade

21.02.2008, André Jegundo, no PÚBLICO de hoje

Iniciativa Amigos da Cultura 2008 juntou cerca de 400 pessoas no Teatro Académico de Gil Vicente. Concluíram que a cultura também precisa de cidadãos mobilizados

Agentes culturais da cidade de Coimbra e os promotores da iniciativa Amigos da Cultura 2008 acusaram ontem a Câmara Municipal de Coimbra de ser um obstáculo à criação artística e de desvalorizar o papel da cultura no desenvolvimento da cidade.
No colóquio Cidade, Arte e Política, que juntou cerca de 400 pessoas no Teatro Académico de Gil Vicente, Abílio Hernandez, ex-presidente da Coimbra Capital da Cultura, acusou mesmo os responsáveis autárquicos de promoverem uma política "anticultural". "Há cultura em Coimbra, apesar da câmara municipal. A câmara não só não age como entidade promotora como se assume como agente destruidor de projectos e de dinâmicas. E por isso temos o direito de protestar", afirmou.
Depois do lançamento do movimento Amigos da Cultura através de um blogue (ver caixa), o colóquio de ontem tinha por objectivo discutir o valor estratégico da cultura nas cidades. O ex-ministro da Cultura Manuel Maria Carrilho era um dos oradores convidados, mas acabou por não marcar presença devido a "problemas de saúde", justificou Abílio Hernandez.
José Reis, economista e docente da Universidade de Coimbra, defendeu que actividades emergentes relacionadas com as indústrias criativas são "fonte de conhecimento, de riqueza e de emprego", algo que Coimbra "não tem sabido aproveitar". "E, neste campo em concreto, a câmara é uma entidade causadora de problemas. É uma entidade que não se dá bem com a contradição", afirmou.
José Reis acrescentou ainda que Coimbra sofre hoje "múltiplas amea-ças" devido a "políticas públicas que lhe são hostis", mas acrescentou que os cidadãos da cidade devem também assumir-se como "parte do problema". "A imagem que projectamos da cidade e das nossas instituições não é a melhor", concluiu.
Ana Pires, presidente da associação cívica Pró-Urbe, acrescentou que a cidade também não se tem mobilizado devidamente para lutar pela cultura. "Nós permitimos que acabassem os Encontros de Fotografia. E isto é um escândalo. Nós permitimos que maltratassem A Escola da Noite. E isto é um escândalo. Nós deixamos que maltratem o que a nossa cidade tem de melhor", criticou. "O vereador da Cultura é muitas vezes responsabilizado pelo estado caótico do sector, mas o principal responsável político é o presidente de câmara", declarou.
Apesar de partilhar parte das críticas feitas à actuação da câmara na área da cultura, Isabel Craveiro, de O Teatrão, sugeriu que os Amigos da Cultura formulassem também propostas à autarquia para alterar a situação. "Nós também somos responsáveis pela política cultural na cidade", afirmou.
No final, Abílio Hernandez não se mostrou nada confiante na possibilidade de diálogo. "Não é fácil dialogar com uma parede, com quem tem uma visão instrumental da cultura. Se há alguma forma de classificar a política cultural desta câmara, eu diria que ela se rege pela mais enciclopédica das ignorâncias", declarou.

Escuridão mundial

No dia 29 de Fevereiro de 2008 das 19:55 às 20:00 horas
propõe-se apagar todas as luzes para o nosso planeta poder 'respirar'.

Se a resposta for massiva, a poupança energética pode ser brutal.

Só 5 minutos, para ver o que acontece.
Sim, estaremos 5 minutos às escuras, podemos acender uma vela e simplesmente ficar a olhar para ela, estaremos a respirar nós e o planeta.
Lembrem-se que a união faz a força e a Internet pode ter muito poder e podemos mesmo fazer algo em grande.
Passa a notícia, se tiveres amigos a viver noutros países envia-lhes e pede-lhes que façam a tradução e adaptem as horas.

2008/02/15

ALEGRE

Mário Contumélias, Docente universitário

Manuel Alegre voltou a fazer ouvir a sua voz. Disse que há muita precariedade em Portugal, relevou a alta taxa de desemprego existente no país, classificou de imoral o capitalismo, e desafiou para o combate ao neoliberalismo. E disse mais que as condições em que vivemos remetem para a responsabilidade de "um bloco central de interesses" e que PS e PSD, "sendo diferentes, estão cada vez mais iguais".

Pode afirmar-se que Alegre não disse nada que fosse novo, pelo menos no discurso que lhe conhecemos; mas o certo é que disse o essencial. A verdade é que, apesar dos entusiasmos de Sócrates acerca do bom caminho em que Portugal se encontra, os números atestam o elevadíssimo desemprego, a chocante precariedade em que vivemos; a verdade é que, com este capitalismo, mais dia menos dia, ninguém se salva.

Mas, sobretudo, Alegre veio mostrar que, na política portuguesa há, pelos menos, duas visões do mundo. Uma, que acha que não produzimos riqueza suficiente e que as desigualdades são naturais; e outra, que entende que o problema é a injusta distribuição da riqueza e a crescente destruição do Estado social pela revolução neoliberal.

É que, com o apagão do PSD, a quem Sócrates roubou o espaço político com a revisão do PS ao Centro, o entendimento do mundo do presidente do Conselho de Ministros corre o risco de se imprimir na mente dos portugueses - se ele diz que é assim e ninguém o desdiz, é porque deve ser verdade. Ora, o que Alegre nos mostra com as suas palavras é que pode ser mentira. Dá-nos, pois, outra possibilidade de entender o real à nossa volta. E isso merece ser saudado.

Para mais, Alegre prova que, até no PS, há socialistas aos quais não hesita em confiar o seu poder simbólico. E é agradável sabê-lo, porque, em Portugal, há socialistas que não se revêem no PS e que por isso estarão prontos a integrar "um movimento de opinião pública que se reflicta dentro do partido".

Não se sabe como pensa Alegre facilitar na prática, se é esse realmente o objectivo, essa viagem das ideias de fora para dentro do PS. Ou será que tudo o que pretende é instituir uma tendência política autónoma no dito Partido Socialista, para assim obter representatividade "na opinião pública e no país"? Esta é uma questão que não fica clara nos ecos que nos chegaram do jantar de Lisboa.

Seja como for, Alegre, com esta iniciativa, talvez não venha a reformar o PS, mas, pelo menos, e não é dispiciendo, deu um passo no caminho do "refrescar da democracia". E este último é um caminho de todos os que se entendem como cidadãos. E implica escolhas, como todos os outros.

Apoiante de Alegre na candidatura a Belém, Ana Jorge, a nova ministra da Saúde, não filiada no PS, foi durante anos assistente do Hospital de Dona Estefânia, em Lisboa, que o Governo parece querer desactivar. Pelo menos, corre na Internet uma petição que visa salvar o "Hospital da Estefânia" da "gradativa diluição no Centro Hospitalar de Lisboa Central e, a seu tempo, no futuro Hospital de Todos-os-Santos".

Essa petição, que defende "a manutenção e o desenvolvimento do Hospital de Dona Estefânia", é dirigida ao presidente da República, e já recolheu mais de 73 mil assinaturas. É assim um indicador do sentir da opinião pública, ao menos dos pais e mães lisboetas, embora não apenas. Os signatários esperarão da nova ministra, que conhece bem o hospital, uma palavra acerca do assunto e, sobretudo, o anúncio de um propósito claro.

Está ao alcance da ministra dar, também, um passo no "refrescar da democracia". Veremos o que acontece.

Mário Contumélias escreve no JN, quinzenalmente, às sextas-feiras

2008/02/10

Manuel Alegre avança com corrente de opinião para preencher "buraco negro" no PS

PÚBLICO/Lusa10.02.2008
Da reunião de reflexão de Manuel Alegre com cerca de cerca de 170 membros que o apoiram na candidatura à presidência da República saiu uma corrente de opinião no interior do partido. E críticas, muitas críticas ao Governo e à actual direcção socialista. Para já, Alegre quer, com a sua corrente, preencher o "buraco negro" da falta de debte
no PS.
Mas Alegre deixa também alguns avisos. Diz que se o desafirem para ir a eleições no seu partido, responderá que só vai às urnas "no país", acrescentando que esses desafios são "perigosos" para o PS.
"Há uma grande crítica em relação ao funcionamento do PS. Não há debate suficiente, tudo está muito governamentalizado, tudo começa e acaba no Governo", afirmou Manuel Alegre, no intervalo da reunião, em Lisboa, que decorreu à porta fechada.
Os estatutos do PS proíbem tendências, mas consagraram em 2003 o direito de formar "correntes de opinião interna" desde que "compatíveis com os seus objectivos e que respeitem a disciplina partidária".
"Há um buraco negro na esquerda, na democracia e no próprio partido. Nós somos socialistas, temos uma responsabilidade e devemos contribuir para preencher esse buraco através da formação de uma corrente de opinião socialista", disse.
Sobre a situação social do país, Manuel Alegre afirmou "que há muitas críticas na área da Educação, no Serviço Nacional de Saúde, na Justiça, na desertificação", mas sobretudo "uma grande preocupação com as desigualdades existentes" no país.
Admitindo que "é muito difícil que os partidos se regenerem por dentro", Manuel Alegre disse estar disposto a ir até "onde for possível". "Eu estou convencido que é possível, mas tudo tem um limite. Só a história o dirá, se é possível ou não", disse.
Questionado sobre qual a expectativa em relação à forma como o primeiro-ministro, José Sócrates, receberá as suas críticas, Alegre disse estar consciente que a luta pela regeneração do PS e do sistema político "é uma luta ideológica". "Penso que os socialistas oficiais não estão em muitos terrenos a travar esse combate político e ideológico e nós queremos travar esse combate", afirmou.
A corrente de opinião socialista de Alegre irá, "em cada distrito", tomar "posição públicas" e, através de debates, "construir uma alternativa" ao "pensamento único", disse.
E depois deixou o aviso de que não vai em desafios para eleições internas. Agora "só no país". Se me desafiam para combates dessa natureza eu respondo: vou às urnas, mas no país. Mas evitem essa situação para bem do PS, porque eu penso que há outras maneiras de resolver as coisas, há maneiras de reformar o PS e de refrescar a nossa democracia", disse.

Perigo para o PS

Rejeitando estar disponível para "eleições de secretariado e para congressos", Alegre lembrou que as presidenciais de 2005, em que ficou em segundo lugar com mais de um milhão de votos, à frente do candidato do PS, Mário Soares. "Fomos lá uma vez e eles perderam. São perigosas para eles, não são para mim. Eu não vou porque não sou um aventureiro político. E faço parte do PS há muito mais tempo do que muitas das pessoas que neste momento estão à frente do PS", acrescentou.
No encontro participou também Edmundo Pedro, "histórico" resistente antifascista, que afirmou que também ele não se revê, "em muitos aspectos", nas decisões da actual liderança do PS e do Governo, sublinhando ser necessário "repensar" o partido.
Em declarações à agência Lusa, antes do início do "almoço de trabalho e de reflexão", Edmundo Pedro mostrou-se "crítico" em relação ao "actual estado de coisas" e que, por essa razão, "tem o dever de olhar" para o partido e de "ajudar" a encontrar novas soluções. "Há muitos socialistas à procura da esquerda no partido. Essa é a razão por que estou aqui. Tenho o dever de olhar para o partido que ajudei a fundar", sublinhou.

A liberdade não é grátis

( Luís Campos e Cunha, Professor Unversitário, no PÚBLICO de 08/02/08)

A liberdade não é grátis, mas devia sê-lo (e não estou falar de dinheiro). A crise das instituições democráticas e a classe política actual estão a pôr em risco a liberdade. O exercício da cidadania é cada vez mais um acto de coragem e não devia sê-lo.

As instituições democráticas, e, com elas, a democracia, estão a resvalar para a demagogia, dirigida por representantes sem ideias em lugar de lideres com horizontes. Com aqueles, algumas liberdades começam a estar em causa e até no futuro (espero que não), pondo em causa a própria liberdade. Tudo isto,,por absurdo, em nome da defesa da liberdade. A liberdade já hoje não é grátis e corremos o risco de vir a ser muito cara: só para ricos e heróis.

Os sistemas democráticos, tal qual os conhecemos, são fruto do pós-guerra e do combate aos totalitarismos, nazismo primeiro e comunismo depois. Com o fim da guerra fria e do comunismo, os pilares ideológicos da democracias ficaram sem contraponto e entraram em crise. Assim, e desde há duas décadas, as democracias elegem representantes e não líderes. Um líder é aquele que é capaz de decidir entre passar um fim de semana no Algarve ou na Serra da Estrela. Um representante não tem estratégia, calcula médias, tira bissectrizes entre a serra e o Algarve, e acaba por passar o fim de semana em Badajoz.

A crise das instituições que leva a esta estirpe de políticos (seja em Portugal, seja no Reino Unido ou na América) não seria demasiado preocupante não fora o arrastar com ela a liberdade, valor essencial da nossa existência.

A liberdade traduz-se, no dia a dia, em várias liberdades; de escrever; de falar; der nos organizarmos; de protestar; de apoiar; de votar; etc.. Uma dessas liberdades, por vezes esquecida, é a de estar errado, de falhar, de não ter razão e, mesmo assim, de poder opinar, falar e escrever.

Mas, no actual estado de coisas, aqui como lá fora, retira-se a responsabilidade moral de não fumar para não incomodar o próximo, para se passar à proibição da existência do ser imperfeito, ou seja, do fumador. Daí chega-se à raça superior, que hoje não vem dos genes, mas da proibição e do politicamente correcto consagrado na lei. A possibilidade de errar está proibida e, dentro em pouco, não frequentar um ginásio da moda será tão grave como fugir ao fisco.

E, especialmente entre nós, em que a ausência de liberdade ainda está muito presente, é muitas vezes esquecido que o exercício da liberdade não deve ser um acto heróico, mas uma banalidade. Não pode haver lugar a represálias pelo simples exercício da cidadania. O único limite à liberdade de cada um é, obviamente, o espaço de liberdade dos outros, que deve ser igual ao meu.

Para já, são pequenas liberdades que estão em causa. Os ataques às liberdades foram fruto da demagogia e do politicamente correcto, mas uma outra linha de ataque à liberdade é bem mais grave e, supostamente, em defesa da liberdade.

As escutas telefónicas (hipotéticas ou reais), as negociatas, os dossiers sobre pessoas, as câmaras de vigilância (legais ou não), minam a confiança e turvam o ambiente de liberdade .Paira permanentemente a suspeição sobre todo e qualquer cidadão. Ele sente isso e, como tal, não é livre,

Para se ter, hoje, a privacidade de há 15 anos só seria possível com um comportamento de psicopata, fugindo das auto-estradas, não usando multibancos, cartões de crédito ou contas bancárias, não entrando em supermercados ou centros comerciais ... Tal comportamento seria de tal modo custoso para o próprio e seria socialmente de tal modo estranho que certamente chamaria a atenção de algum bufo, o que justificaria algum inquérito, naturalmente. A privacidade acabou, dentro em pouco será o ataque à intimidade.

Mas não é só cá, por Lisboa. Em Londres, este fim-de-semana, havia grande celeuma(e bem) porque um membro do parlamento (MP) britânico tinha sido escutado pelos serviços de informações antiterroristas. Esse MP é, por caso, trabalhista e muçulmano.

O Presidente Bush legalizou a tortura e passaram a fazer-se interrogatórios utilizando métodos atribuídos à PIDE, para defender a liberdade e o Estado de Direito. Tudo legal, naturalmente.

E tudo isto em defesa da liberdade. Se tal não for atalhado e a corrida para o abismo não parar, os terroristas podem reformar-se, pois os democratas entretanto fizeram o trabalho por eles. Cada vez mais, os políticos-representantes, com o pragmatismo elevado a ideologia, põem em causa a política e os princípios. A liberdade já não é grátis, mas devia sê-lo, e pode vir a ter um preço que pode ser a própria liberdade.

2008/02/07

Jantar comemorativo do primeiro ano da vitória do SIM no referendo


Na próxima 2ª feira, 11 de Fevereiro, haverá um JANTAR/tertúlia, que visa assinalar a vitória do SIM no referendo realizado há um ano.

Esta iniciativa será no Salão Brasil (Largo do Poço, na baixa de Coimbra), a partir das 20h.

Além do jantar propriamente dito, haverá uma tertúlia com a alocução dalgumas pessoas que participaram na campanha do SIM em 2007, mostra de vídeos e uma intervenção musical.

nota: inscreve-te por mail ou sms através dos telemoveis 919 855 010 (Magda) ou 964167 025 (Tozé) até ao dia 9/2/08.

Organização: cidadãs e cidadãos participantes na campanha do SIM em 2007


2008/02/03

O que está a mudar no trabalho humano?

Elísio Estanque

(no PÚBLICO de 2 de Fevereiro)

O número que acaba de sair do Anuário das Relações Internacionais – Janus 2008 (distribuído com o PÚBLICO) tem como temática de fundo a questão das relações laborais, dando à estampa um conjunto de leituras realizadas por diversos especialistas das ciências sociais e económicas, que discutem e analisam as mudanças no trabalho no actual contexto de globalização. Eis algumas pistas dos temas tratados: qual lugar do trabalho no mundo instável em que vivemos hoje? Que impactos sociais poderemos esperar das actuais tendências de flexibilidade, mobilidade e precariedade no emprego? O trabalho está a humanizar-se ou a desumanizar-se cada vez mais? É ele gerador de maiores desigualdades ou contribui para reduzi-las? Que futuro para o sindicalismo?

Desde o tempo da escravatura e ao longo da Idade Média, trabalhar era sinal de desclassificação social e algo indigno de cidadãos. Chegou a colocar-se a pergunta “porque não exterminar-se o trabalho”? (Thomas More) Antes, o trabalho foi até entendido como punição “divina”, porém no século XIX passou a ser visto como factor decisivo de desenvolvimento em prol da humanidade. Sobretudo após a revolução industrial, o trabalho tornou-se um campo de intensas lutas sociais e políticas, pois, apesar dos sinais de progresso, a máquina a vapor e o tear mecânico tornaram clara a profunda tensão entre trabalho e técnica. As conquistas da era moderna revelaram também novas injustiças sociais, com o movimento operário a ganhar protagonismo, evoluindo das primeiras revoltas contra o maquinismo para o estatuto de principal “sujeito” histórico da sociedade industrial.

Ontem como hoje a dialéctica do trabalho exprime profundos contrastes. De facto, a “questão social” e as lutas operária estiveram um enorme alcance transformador, abrindo caminho ao direito do trabalho e ao modelo social europeu, que culminou nos “gloriosos anos trinta” e no Estado providência. Todavia, com a globalização e a nova revolução tecnológica, a força de trabalho não só se emancipou como continua a reforçar os “exércitos de reserva”, hoje em expansão em todos os continentes. Na Europa e no mundo, o discurso neoliberal não esconde o novo cinismo social, que visa – a pretexto da despolitização – substituir a legislação laboral pela “civilista”, supostamente defensora do indivíduo (e da criação de mais emprego), mas na verdade submetida à lógica do mercantilismo global.

Em vez de nos aproximarmos do “fim do trabalho”, o que aconteceu foi que este deixou de ser o referente estável de status ou o principal símbolo identitário de cada um. Tornou-se mais volátil, escasso e difícil de manter como principal esfera de realização pessoal. Mas permanece um bem primordial. Um bem que, ao lado da família e comunidade, é decisivo para contrariar a insegurança, a desfiliação, o risco (…)

As novas competências técnicas – da sociedade de informação – criaram uma minoria de profissionais altamente qualificados, para quem a mobilidade e globalização significou melhores oportunidades (…). Mas, por outro lado, os efeitos predatórios do mercantilismo desregulado aceleram as metamorfoses do trabalho empurrando milhões de trabalhadores para novos despotismos e servilismos, criando e recriando novas formas de desigualdade social, discriminação e exclusão. O tema principal da Janus 2008 contribuirá, assim se espera, para recolocar os temas laborais no centro da reflexão e da análise social, numa altura em que se adivinham novas agitações neste domínio e em que se desenham novas investidas na instrumentalização do movimento sindical português. Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra