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2007/11/28

GREVE GERAL - 30 Novembro 07


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Médicos em greve na próxima sexta-feira

( no Diário de Coimbra de hoje )
Descontentes com a actual política laboral do Governo, nomeadamente do Ministério da Saúde, os médicos vão paralisar na próxima sexta-feira como forma de protesto contra o que consideram ser a «destruição do Serviço Nacional de Saúde»

«Em defesa das carreiras médicas, de aumentos salariais justos e por uma verdadeira negociação colectiva» e, por outro lado, contra «a precarização do emprego médico através dos contratos individuais de trabalho (CIT), despedimentos e a mobilidade especial», factores que se traduzem na «destruição do Serviço Nacional de Saúde (SNS)». Estas são as principais razões que levaram o Sindicato dos Médicos da Zona Centro (SMZC), juntamente com os outros dois sindicatos que compõem a Federação Nacional dos Médicos, a convocar uma greve geral para a próxima sexta-feira, dia 30.
Em conferência de imprensa, o presidente do SMZC, Sérgio Esperança, explicou que «a questão das carreiras médicas, um elemento fundamental na estruturação da actividade médica», se encontra «em perigo» e, por esse motivo, «é necessário lutar pelas carreiras e ter presente o que estas têm sido e o que representam no futuro do país». O objectivo passa por obedecer a uma «linha de actuação e defesa» na qual a classe médica considera «ter de ser intransigente». Neste sentido, o sindicato, pela voz do presidente, teceu duras críticas ao Ministério da Saúde, por considerar que «não tem manifestado qualquer interesse em discutir esta questão ao longo dos últimos dois anos», recorrendo antes a «sucessivos adiamentos» de uma negociação que «deve ser aberta e contar com a disponibilidade das duas partes», defendeu.
Relativamente aos contratos individuais de trabalho (CIT), o sindicato considera que «ultimamente se tornaram uma norma sem regras bem estabelecidas» e que resultam da «intenção do ministério manter este tipo de contratação». Mas é preciso que os CIT sejam «enquadrados e discutidos numa óptica de um acordo colectivo de trabalho», até porque os médicos com este vínculo contratual «não têm forma de sair desta regulamentação». Segundo o sindicato, são cerca de 1.500 os médicos que não estão regulamentados, o que constitui um «sinal de grande precariedade laboral».
Sérgio Esperança sublinhou ainda que «as sucessivas alterações» que o ministro da Saúde, Correia de Campos, «tem introduzido ao nível do Sistema Nacional de Saúde» se têm pautado por «um esquecimento dos sindicatos dos médicos que deviam e podiam dar a sua contribuição às propostas feitas». E, tendo em conta esta situação, o sindicato «responsabiliza o ministro da Saúde que, como gestor de tudo isto, vai deixando as coisas deslizar, sem regras».
Relativamente à adesão a esta greve, o sindicato «conta com uma participação numerosa com sectores em que a adesão será total» e outros em que rondará os 80%, tendo em conta «os níveis de descontentamento partilhados por médicos, sindicatos e pela própria Ordem».

2007/11/24

O sindicalismo e a conflitualidade social

( Elísio Estanque, Centro de estudos Sociais, Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra )

Uma das particularidades e vantagens históricas da Europa “social” em relação a outras regiões do globo reside na sua longa tradição conflitual. No berço da civilização ocidental a fantástica capacidade inventiva e técnica sempre se conjugou com as intensas lutas sociais que revolucionaram a sociedade moderna. Foi na base desse binómio que o contrato social triunfou como modelo fundamental de regulação de conflitos, e evoluiu apoiado em compromissos de enorme alcance progressista. O movimento operário e sindical foi, desde o início do século XIX, um dos principais factores de transformação que culminou na fórmula do Estado social europeu. Por isso, o modelo europeu de relações laborais se tornou ao longo do século XX uma referência incontornável para o mundo inteiro e um garante vital da saúde das nossas democracias.

O sindicalismo representa, pois, uma conquista importantíssima que não é apenas da classe trabalhadora, mas da sociedade como um todo. E convirá recordar que a sua emergência e a sua pujança derivaram das condições desumanas impostas aos trabalhadores pelo capitalismo selvagem do século XIX. Vale a pena revisitar a história, quando vivemos uma conjuntura de crescente perda de direitos laborais e de ataque constante aos sindicatos. Tal tendência comporta um risco real de regresso ao “grau zero” do contrato social, com a generalização do trabalho sem direitos, da hiperexploração e dos abusos patronais em toda a linha.

É preciso olhar para os exemplos da Finlândia e da Dinamarca (bem como os restantes países escandinavos), não para importar a “flexigurança” – que, no contexto português, é sobretudo um discurso para justificar a flexibilidade do trabalho e a liberalização dos despedimentos –, mas para se perceber como o desenvolvimento é inseparável da coesão social, ou seja, de uma cultura que reconheça nas estruturas sindicais um parceiro indispensável, sem o qual as reformas jamais terão sucesso. Nesses países, onde a social-democracia vingou, o reajustamento e flexibilização das relações laborais e do Estado social encaixam num modelo de sociedade previamente negociado na base de compromissos colectivos alargados (e cujos resultados nos planos económico e social são conhecidos). Ora, isso é o oposto do que se passa hoje em Portugal, onde o poder político evidencia uma atitude anti-sindical que vê os sindicatos como meras “forças de bloqueio”, retirando assim qualquer credibilidade à intenção de “adaptar” a flexigurança às condições específicas do nosso país, sem ter de negociar as novas propostas legislativas com a estrutura sindical mais representativa.

Como sabemos, os sindicatos debatem-se com uma profunda crise, que resulta largamente dos processos em curso de fragmentação e fluidez dos sistemas produtivos e de precarização das relações de trabalho e de emprego. É claro que a “crise” deve-se também à incapacidade dos aparelhos sindicais se adaptarem aos desafios do presente, mas esse é um problema que a eles diz respeito. Não compete ao Estado, tal como não compete aos empresários, ajuizar entre o “bom” e o “mau” sindicalismo. Se o “bom” sindicalismo for aquele que está sempre de acordo com o parceiro mais forte, então o que se pretende não é a negociação, mas a simples aceitação.

E com isso alimenta-se, de facto, o confronto. Ou seja, engana-se quem pense que a conflitualidade diminui com a implosão dos sindicatos e que a influência comunista deixa de existir. Não é preciso ler Marx ou ser-se socialista para se perceber que com o desemprego crescente, a perda de poder económico de sectores importantes da classe média e a intensificação das desigualdades, ganharão terreno os sentimentos de revolta e as ideologias anti-sistémicas. Mais, pretender reduzir a CGTP à função de “correia de transmissão” do PCP é prestar um mau serviço não tanto a este partido mas mais à própria central e à pluralidade de correntes que nela (ainda) estão representadas. O sindicalismo, goste-se dele ou não, é ainda o único movimento capaz de contrabalançar a mentalidade tecnocrática hoje dominante. E a sua renovação será tanto mais viável quanto mais se reforce o seu protagonismo, quer nas instituições quer nas lutas sociais que se avizinham. (http://boasociedade.blogspot.com)

2007/11/23

Desqualificados...






Mário Contumélias, Docente universitário

Exmo. sr. presidente do Conselho, fará V. Exa, na sua infinita generosidade, o favor de desculpar a minha ousadia por voltar a escrever-lhe, passado tão pouco tempo. Mas é que estou muito preocupado com o futuro dos meus filhos e não sei o que hei- -de fazer; preciso mesmo da sua ajuda. Eu explico.

No ano passado, o meu filho mais novo quis deixar o ensino "tradicional" e optar pelo ensino técnico, profissionalizante. Nessa altura, lembrei-me da paixão do PS pela educação, do "choque tecnológico", e desconvenci o rapaz. Disse-lhe que era má ideia, que mais vale ser engenheiro por uma hora do que canalizador toda a vida; que quem quer ter uma carreira profissional a sério precisa de obter qualificações como deve ser, etc., etc.. Resultou.

Veja agora a minha confusão quando sou surpreendido pela notícia segundo a qual o desemprego entre os licenciados está a crescer e que, desde que V. Exa tomou posse, Portugal perdeu 167 mil empregos qualificados. Fiquei aflito. Tanto mais que tinha bem fresca a sua afirmação de que haviam sido criados mais 106 mil postos de trabalho, estando por isso quase cumprida a promessa do Governo.

Dizem-me os seus detractores que sim, que é verdade, mas uma verdade triste porque esses novos empregos, a que se referiu, são verdadeiros mas precários e destinados a jovens pouco qualificados. Os outros, os que andam a queimar as pestanas e a esfolar o desgraçado bolso dos pais para frequentar a universidade, não têm direito a nada. Empregos novos sim, mas desqualificados.

Ora eu recuso-me a acreditar. V. Exa não andaria por aí a gabar-se de ter contido o desemprego e de o seu Governo ter conseguido produzir mais 106 mil postos de trabalho se eles fossem postos de trabalho da "treta". E, sobretudo, se, no outro lado da moeda, o desemprego continuasse no limiar dos 8 por cento; se tivessem desaparecido 22 mil postos de trabalho com contrato firme; se 55% dos jovens empregados trabalhassem em empregos precários e o país não fosse capaz de criar ocupação profissional adequada para uma percentagem significativa dos jovens com formação académica.

Mas, apesar da minha boa-fé, V. Exa compreenderá a minha preocupação. O sr. presidente do Conselho só tem de responder perante os eleitores e como é um homem afirmativo, decidido, convicto, possuidor de autoridade, são "favas contadas", mandato renovado, que os portugueses bem sabem que precisam de si.

Agora, eu estou em maus lençóis. Tenho de responder perante o meu filho e o rapaz acredita mesmo na liberdade, diz que não cede a pressões nem a chantagens, que só revê pontos de vista convencido pela razão. Quando perceber que, afinal, ser qualificado é um obstáculo ao futuro, o que vai pensar de mim? Vai sentir-se enganado, vai perder-me o respeito.

O que sugere V. Exa que eu faça? Talvez recomendar-lhe que treine na bicicleta para poder entregar pizzas com rapidez, quando acabar o curso? Ou que ensaie a voz ao telefone, criando competências para trabalhar num desses fantásticos "call center" que por aí há e onde se empregam alguns licenciados? Ou ainda, quem sabe, que procure formação numa das fascinantes profissões do turismo, de ajudante de porteiro a empregado de mesa, aprendendo primeiro línguas, claro?

Desculpe a insistência, mas estou mesmo numa aflição. Não sei o que hei-de fazer à vida. É que também eu sou um bocadinho qualificado, coisa que só me tem prejudicado e isso ainda me assusta mais quando penso no amanhã dos meus filhos.

Grato pela atenção de V. Exa.

Mário Contumélias escreve no JN, quinzenalmente, às sextas-feiras

2007/11/22

Alegre critica Governo sobre estradas

( No Jornal Público de hoje )
O deputado do PS Manuel Alegre questionou ontem o Governo sobre as mudanças na empresa Estradas de Portugal e disse temer que estas representem "uma espécie de neofeudalismo, sob a forma de privatização encapotada".
Para o socialista, "é inusitado um prazo tão longo, sejam 92 ou 75 anos, para a outorga da concessão da rede viária nacional" à empresa Estradas de Portugal, que foi transformada pelo actual Governo em Sociedade Anónima (SA).
"Parece, assim, algo temerário com-
prometer o futuro a tão longo prazo, numa matéria que faz parte da esfera de um dos mais antigos serviços públicos que o Estado teve obrigação de proporcionar aos cidadãos", afirmou o ex-candidato independente à Presidência da República.
As considerações e questões colocadas por Manuel Alegre constam de um requerimento entregue ontem no Parlamento, dirigido ao Ministério das Obras Públicas, ao qual a agência Lusa teve acesso.
No documento, o ex-candidato independente a Presidente da República interroga: "Não estaremos a regressar a uma espécie de neofeudalismo, sob a forma de privatização encapotada das Estradas de Portugal?".
Alegre pergunta "que garantias têm os cidadãos" de que a agora Estradas de Portugal SA (EPSA) "não se arrisca a ficar dependente de accionistas privados" e "quem defenderá o direito à livre circulação nas estradas nacionais". "Vão ser introduzidas por-tagens em novos troços da rede viária nacional? Uma eventual insolvência da EPSA não poderá abrir a porta à entrega de um monopólio natural a capitais privados, em prejuízo dos direitos dos utilizadores?", questiona.
O socialista Manuel Alegre quer saber, entre outras coisas, se vai haver portagens em novos troços de auto-estrada

2007/11/18

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Declaração de voto de Manuel Alegre
Votação na generalidade



1. Já por várias vezes afirmei que, de acordo com a Constituição, o Deputado deve votar segundo a sua consciência e é responsável perante o país. Contudo, sendo eleito em listas partidárias, há situações em que, salvo circunstâncias excepcionais, não deve quebrar o sentido de voto do seu Grupo Parlamentar: programa de governo, moção de confiança e moção de censura, Orçamento de Estado. É por essa razão que dou o meu voto favorável, na generalidade, ao Orçamento de Estado para 2008, segundo a orientação do Grupo Parlamentar do Partido Socialista, embora não possa deixar de manifestar algumas discordâncias relativamente às políticas nele expressas.

2. Um Orçamento de Estado é muito mais do que um documento técnico que prevê receitas e despesas da actividade dos vários órgãos do Estado. É um documento político que traduz as opções da acção governativa em todos os domínios e, em especial, no plano económico e social. Discordo de uma concepção predominantemente financeira dos orçamentos de Estado. Reconheço a prioridade quase absoluta da redução do défice, que foi apanágio dos Orçamentos de 2005, 2006 e 2007. Havia compromissos europeus a cumprir e a fragilidade económica de Portugal não lhe facilita posições de "desafio" a essas regras, como o fazem alguns dos chamados "países grandes". Também não podemos esquecer que os Governos do PSD, para camuflar o défice real, recorreram a expedientes e artifícios que em nada ajudaram a criar confiança. Há pois que felicitar este Governo por ter encarado de frente o problema do défice e o ter praticamente resolvido, mas com grande sacrifício de todos os portugueses, como o próprio Primeiro Ministro já reconheceu.

3. Além do défice orçamental, outros défices têm de ser combatidos, a começar pelo défice social. O desemprego não para de aumentar ( 8,3% em Agosto ). Somos já o quinto país da União com maior taxa de desemprego tendo ultrapassado a Espanha, pela primeira vez nos últimos anos. A pressão fiscal muito elevada está a ter resultados negativos na economia e está a sacrificar os cidadãos com perda de poder de compra e de qualidade de vida. As dificuldades com o sobre-endividamento das famílias são muitas. De que serve termos um défice de 3% se continuamos a ser o país mais pobre da Europa e o mais desigual a distribuir a sua riqueza ?
Mais de dois milhões de portugueses, cerca de um em cada cinco, tem rendimentos abaixo do limiar de pobreza. A constatação parece evidente: apesar do desenvolvimento registado nos últimos anos, apesar do défice finalmente controlado, apesar das ajudas comunitárias que todos os dias entram em Portugal, apesar dos milhões de euros que mensalmente os bancos obtêm em lucros, nada parece conseguir mudar a persistência da pobreza. Segundo o INE, 41% da população portuguesa, cerca de 4 milhões de pessoas, vive numa situação de risco de pobreza antes das transferências sociais ( pensões de reforma, sobrevivência, doença e incapacidade, família, desemprego e inserção social ). Após as transferências, o número cai sensivelmente para metade. A questão é que estas pessoas apenas resolvem momentaneamente o seu problema de privação, mas não a pobreza.
Existe ainda um fenómeno novo, que as estatísticas de 2005 ainda não conseguem reflectir, mas que a realidade social evidencia: a emergência de novos pobres, pessoas que não ganham o suficiente para pagar as suas contas ao fim do mês nem para liquidar os créditos e responsabilidades financeiras que assumiram (crédito à habitação, crédito ao consumo e outros). Esta situação resulta na maioria dos casos da perda do emprego, mas também da subida das taxas de juro e do próprio aumento do custo de vida. Este é um diagnóstico cruel da sociedade portuguesa. A pobreza em Portugal é um facto estrutural que sucessivos governos ao longo dos anos não têm conseguido resolver.

4. Embora considerando muito importante o reforço de algumas medidas concretas no âmbito das Políticas Sociais ( por exemplo, o alargamento do complemento social para idosos ) estas medidas acabam por ser medidas de “remendo” de um problema. Há que reforçar as medidas de combate ao desemprego e de apoio ao crescimento e criação de Emprego. A proposta de diminuição de 5% do IRC para as empresas do interior do país é positiva, mas insuficiente para contrariar o processo de desertificação, agravado por medidas tomadas recentemente pelo governo, que eu próprio critiquei, como o fecho de serviços públicos nas áreas da saúde e da educação.

5. O emprego constitui hoje o nosso problema número um. Sabe-se que uma alteração do nível de desemprego só poderá conseguir-se com uma política agressiva de investimento. Neste aspecto o Orçamento é bastante decepcionante. É certo que não cabe ao Estado criar emprego directamente, antes deve definir horizontes e estratégias que permitam ao tecido empresarial fazê-lo. O actual Governo, tal como os anteriores, tem beneficiado largamente o sector privado, concedendo-lhe amplos incentivos financeiros, fiscais e outros. Apesar disso, os resultados ficam sistematicamente aquém das expectativas. Não temos tido empresários à altura, ou não os temos em número suficiente. Continuamos a assistir a um permanente coro de lamentações, com o sector privado a tentar obter do Estado mais benesses públicas. Os exemplos recentes e anunciados da REN, da GALP e da EDP confirmam amplamente o estado de espírito dos chamados "grandes empresários" portugueses. Assumir qualquer risco não é com eles. Não temos que nos admirar pois, salvo raras excepções, tem sido assim desde o tempo da venda dos bens nacionais que se seguiu à vitória dos Liberais em 1834. O progressivo abandono pelo Estado de todo o sector energético nacional levar-nos-á a uma situação de total dependência de interesses não portugueses e a uma cada vez mais reduzida capacidade de intervenção em áreas fulcrais da nossa economia. Esta política não serve o interesse nacional, ainda que possa proporcionar alguns euros suplementares aos cofres do Estado. Agora que o sector privado domina completamente a economia portuguesa (ficam de fora os transportes, porque não dão lucro, a Caixa Geral dos Depósitos e pouco mais), seria essencial que o sector empresarial privado assumisse a principal parcela na criação de emprego. O actual sistema de incentivos ganharia em ser objecto de uma profunda revisão, que poderia ser explicitada no Orçamento.

6. Não concordo com as exigências daqueles que todos os anos reclamam mais cortes na despesa em nome de uma pretensa reforma da Administração Pública, que passaria pela dispensa maciça de funcionários públicos e pela degradação das funções sociais do Estado. Considero positivo que, desta vez e ao contrário do que vinha acontecendo, o Orçamento para 2008 proponha repor o poder de compra perdido pelos funcionários públicos nos últimos anos. Mas a proposta de aumento de 2,1% anunciada para a função pública é inferior à inflação de 2,3% estimada para este ano, o que significa que ainda não será em 2008 que os funcionários públicos recuperarão o que perderam em sete anos sucessivos.

7. Considero positivas as medidas anunciadas no sector da saúde, em especial o financiamento da procriação medicamente assistida. Discordo, contudo, da opção de agravar a carga fiscal de deficientes e pensionistas O aumento da carga fiscal sobre os reformados não está limitado às pensões mais elevadas, aplica-se às pensões médias e médias baixas. Os reformados ficam assim duplamente penalizados: por um lado, pelo aumento directo do imposto sobre a sua reforma; por outro, pela diminuição da comparticipação dos medicamentos ( com a retirada da majoração nos genéricos). Alguns destes aspectos poderiam ser melhorados na especialidade. Quanto às famílias, o Orçamento aumenta para o dobro a dedução à colecta no IRS para crianças até aos 3 anos. Porquê 3 anos? Não se percebe o critério. As famílias com filhos mais velhos não têm qualquer beneficio directo com a medida. Não podemos entretanto ignorar que 42% das famílias com 3 ou mais filhos em Portugal estão, segundo o INE, no limiar da pobreza.

8. No plano económico e militar, Portugal pode não pesar muito. Mas tem a seu favor uma riqueza que não pode continuar a ser menosprezada: a história, a cultura e a língua portuguesa. Entre os países do mesmo peso demográfico, somos o único que pode ser no mundo um actor global. Mas no plano cultural temos vindo a perder terreno por falta de comparência. Onde nós fechamos leitorados e centros culturais, outros avançam com os seus institutos. Há um défice nacional de reflexão e visão estratégica que está a atingir graves proporções. As Grandes Opções do Plano para 2008 e o relatório do Orçamento de Estado apontam para uma política cultural externa capaz de ampliar a oferta da aprendizagem da língua e cultura portuguesas. A tradução desta prioridade em números tem no entanto uma expressão residual. As medidas do PIDDAC relacionadas com a difusão da língua e cultura portuguesas no mundo, a afirmação da dimensão cultural do desenvolvimento e o fomento de redes culturais somam perto de 5 milhões de euros, um montante que não chega a 0,2 por cento do total das verbas do PIDDAC. É manifestamente insuficiente, senão mesmo irrisório. Não podemos continuar a sobrepor critérios contabilísticos a critérios culturais e de afirmação nacional.

Lisboa, 8 de Novembro de 2007

O Deputado
Manuel Alegre

CLIMA EXIGE ACÇÃO URGENTE


Parece ficção científica. Mas não é. O que torna tudo mais aterrador. Ban Ki--moon descreveu ontem o que viu nas suas recentes viagens ao Chile, Antárctida e Amazónia, onde os maiores tesouros naturais do mundo estão ameaçados pela própria humanidade, que polui ao ponto de pôr em risco a sua sobrevivência. E pediu aos governos acções concertadas para combater as alterações climáticas e evitar que se concretizem as previsões catastróficas.

O secretário-geral da ONU falava em Valência, Espanha, na apresentação do quarto relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC), o grupo de peritos a quem foi atribuído este ano, juntamente com Al Gore, o Prémio Nobel da Paz. O documento faz a síntese de três anteriores relatórios onde os cientistas avisam que os impactos do aquecimento do planeta são inequívocos e irreversíveis. Mais: os delegados dizem que tudo está a decorrer de modo mais rápido do que foi previsto e que o que foi projectado para 2020 e 2030 já está a acontecer.

As emissões de gases com efeito de estufa aumentaram 70% entre 1990 e 2004 e esta subida faz prever que a temperatura também possa aumentar, no cenário mais dramático, mais 6,4 graus centígrados até ao final da década. Se muitos cientistas consideram que acima dos dois graus o planeta ficaria numa posição pouco sustentável - e é para atingir esse patamar que a Europa quer trabalhar -, imagine-se o que poderia acontecer no pior dos casos...

Na comunidade científica, o consenso está praticamente instalado: o aumento da temperatura agravará os fenómenos climáticos extremos: mais cheias, secas, ondas de calor, furacões e o degelo das calotes polares, responsável pela subida do nível do mar.

Mas mais do que validar dados científicos já expressos em relatórios anteriores e reafirmar que há 90% de certezas de que as mudanças no clima se devem às actividades humanas, este do- cumento síntese é uma ferramenta de trabalho essencial para o que aí vem. E foi esta a mensagem que o secretário- -geral da ONU quis sublinhar. "Hoje os cientistas falaram de forma clara e a uma só voz. Espero que em Bali os políticos façam o mesmo", disse Ban Ki- -moon, referindo-se ao encontro da Conferência das Partes, que decorrerá na Indonésia no dia 3.

Ban Ki-moon considera que o relatório do IPCC traz respostas para muitas questões políticas e que o mundo se deve unir para encontrar um sistema que substitua o protocolo de Quioto, cuja vigência termina em 2012.

O relatório sublinha também que já existem mecanismos e instrumentos disponíveis para lutar contra o problema, embora impliquem gastar todos os anos milhares de milhões de dólares. Mas acrescenta que, neste combate, não chega encontrar formas de mitigação da poluição, há que implementar medidas concretas de adaptação, pois as secas, as cheias, as inundações das zonas costeiras acontecerão mesmo que as emissões caiam abruptamente.

As reacções às conclusões dos cientistas não se fizeram esperar. O comissário europeu do Ambiente apressou--se a pegar nas palavras dos peritos para exigir medidas concretas em Bali, enquanto o primeiro-ministro britânico colocou o desafio do aquecimento global não só como uma ameaça ao ambiente mas também à paz e ao desenvolvimento mundial. Até porque, também aqui, serão os mais pobres a sofrer as consequências mais graves.
( Rita Carvalho, hoje no DN )