Artigo de Opinião publicado no Jornal de Notícias de 27/10/06O Movimento de Intervenção e Cidadania, vulgo MIC, está a mexer. Oficializou já o núcleo de Santarém, em breve fará o mesmo no Porto e em Coimbra. Mas também estão em marcha núcleos futuros de Beja, Viseu e Braga. De alguma forma, trata-se de uma resposta à pergunta que se colocou na sociedade civil e no campo político, após as presidenciais - o que irá Manuel Alegre fazer com estes votos? E pode dizer-se que a resposta é inteligente.
Por um lado, porque no Partido Socialista não parece possível descortinar nenhuma hipótese de poder para o deputado socialista e ex-candidato a Belém. Sócrates está de pedra e cal e, portanto, para durar. Disputar-lhe a liderança só poderia enfraquecer o capital simbólico de Alegre. Ora, o deputado e homem de letras é uma referência da Democracia e, como tal, deve proteger-se. Ele é, mais do que ele, mesmo para lá dele, parte de um estimável património colectivo. É uma voz que se faz ouvir em defesa do Estado social, quando essa intervenção ganha, dia a dia, maior acuidade. Convém ao país que continue assim.
Por outro lado, porque o caminho que o MIC escolheu, como disse Elísio Estanque, constitui uma "aposta na democracia electrónica" e essa é uma visão correcta. Tenho para mim, e já o afirmei nas colunas deste jornal, que a Internet oferece um inultrapassável potencial de participação dos cidadãos e de mobilização da cidadania. Para além do mais com custos baixos e sem exigir das pessoas nem muito esforço nem grande disponibilidade, características altamente facilitadoras da acção.
Ainda assim, e apesar de saudar o aparecimento do MIC, que dará, espera-se, um contributo positivo ao debate político, acho que ele é, para já, apenas o caminho do meio. Em primeiro lugar porque assenta numa figura; portanto, por mais respeitável que ela seja, e é, o MIC apela ao carisma de uma pessoa concreta. Em segundo lugar porque, tanto quanto julgo perceber, segue de perto uma concepção organizativa semelhante à dos partidos e é duvidoso que seja por aí que a democracia se renovará.
Os cidadãos precisam de "participatórios", perdoem-me o neologismo. Mas esses, para o serem realmente, devem surgir da sociedade civil, da iniciativa daqueles que, em associações e organizações locais, se empenharam, anos e anos, desinteressadamente, numa prática de cidadania, sem por isso alguma vez terem procurado alcançar o poder político, visando ocupar um dos muitos lugares que a democracia representativa oferece.
Esses "participatórios" devem estar ligados à política de vida, à defesa do ambiente e do território local, contra a surdez profunda que assola aos autarcas, sempre que se trata de verdadeiramente ouvir os cidadãos. Devem opor-se à racionalidade estritamente económica com que se gerem muitas cidades e que continua a incentivar o domínio do betão e a destruição do património e da memória colectiva. Esses "participatórios" terão emergir da prática do quotidiano, e hão-de constituir-se como contra-poder. Pelo menos, enquanto não forem o que devem ser, isto é instâncias reais do poder.
A Internet oferece essa possibilidade às organizações da sociedade civil, aos cidadãos anónimos. É um caminho por onde já começamos a andar e aquele que verdadeiramente acabará por dar frutos. Quanto ao MIC, já o disse, é o caminho do meio. Mas não é a via.
Mário Contumélias, Docente Universitário, escreve no JN, quinzenalmente, às sextas-feiras